sexta-feira, 1 de maio de 2015

Capítulo 10 – Falsas Saudades

No dia seguinte acordei com um telefonema de Nicole, vi Matias mesmo à minha frente deitado no sofá, a dormir. Atendi o telemóvel e Nicole disse-me que já podia voltar para casa pois já não havia problema. Mas afinal, que problemas é que havia? Não percebia nada. Tinha desistido de fazer perguntas pois nunca ninguém me respondia. Fiz as malas, avisei Alice, que estava já acordada, despedi-me dela e saí de casa. Pelo caminho, encontrei pessoas que ficaram felizes por me verem. Diziam-me que adoraram os trabalhos que fazia quando andava na faculdade e quase me imploravam para voltar para lá.

- Desculpem, não sei de que estão a falar. Devem-me estar a confundir com alguém. - disse continuando a caminhar.

Apanhei um autocarro, caminhei e caminhei e minutos depois apercebi-me que estava perdida. Não me lembrava do caminho para casa. Olhei em frente para uma plaqueta com os nomes das ruas, mas não me lembrava de nenhuma delas. Então sentei-me na ponta do passeio a refletir. Tinha uma ideia completamente diferente da minha vida. Pessoas que eu não conhecia passavam constantemente por mim na rua, falando de coisas que eu não me lembrava. Já não me conhecia a mim própria! Não me lembrava de Alice que saiu do hospital a chorar por eu não a conhecer nem me lembrava de Matias que dizia ser meu namorado e que me amava. Na minha cabeça só recordava uma pessoa: o Mickael. O rapaz lindo de morrer, bondoso e extraordinário por quem eu sentia uma saudade enorme e por quem sentia uma verdadeira paixão.

No entanto um carro cinzento parou à minha frente. Era Matias que me procurava aflito.

Fui ter com ele e entrei no carro, insegura.
- A Alice disse-me que vinhas para tua casa. – falou - Está toda a gente doida? Claro que te ias perder! Devias ter-me pedido para te trazer.

- Tu estavas a dormir, e pensei que não me deixasses vir.

- Claro que te vou levar contrariado, mas não tenho outro remédio.

Conduziu até a casa dos meus pais. Pelo menos a casa estava, aparentemente, como eu imaginava ser. Saí do carro e Matias ficou no carro, à espera que entrasse.

Ao ouvir a minha voz, Nicole abriu a porta.

- T’ás pronta? – perguntou.

- Pronta para quê? – aquelas perguntas metiam-me nervosa. Não sabia o que me esperava.
Nicole ignorou a minha pergunta e disse-me que iria correr tudo bem, assinalando para que entrasse.
Do outro lado da porta estavam os meus pais. Corri até eles e de sorrisos forçados, abraçaram-me. A minha primeira pergunta foi o porquê de eu ter ido viver com o Matias e a Alice.

- Tu eras amiga deles e foste passar umas férias com eles. - Respondeu a minha mãe.

- Amiga? – fitei-a - Ele disse-me que eramos namorados! Mentiu-me!

- Ele sempre te enganou, nós avisamos-te filha.
Nicole olhou boquiaberta.

- Luciana, deixa-me falar com os nossos pais a sós um bocado, pode ser?
Retirei-me, mas escondi-me para ouvir a conversa.

- Podem-me explicar o que acabaram de dizer à minha irmã? Não sei qual é o vosso objetivo com isto. Vocês estão cada vez piores! Prometeram-me que a iam tratar da mesma forma do que antes! - gritou Nicole indignada.

- Cala-te! - ordenou Constança. – Não a consigo perdoar. Ela não voltou uma única vez para tentar resolver as coisas. Foi para casa daquele Matias e nunca mais quis saber de nós.

- E acham que o Matias tem culpa para a estarem a meter contra ele?
Não queria ouvir mais. Caminhei em direção ao meu quarto para desfazer as malas. Conseguia ouvi-los aos berros.

- Nunca quiseste saber dela e agora estás preocupada?

- Por amor de Deus mãe, ela perdeu a memória! Não basta o que vocês lhe fizeram?

- O que fizemos foi para ela aprender. E pelos vistos não resultou. Ela vai ter o que merece e não se fala mais neste assunto. Se tu te metes nisto tiramos-te a ti de casa, ouviste bem?

Tentei abrir a porta do meu quarto e apercebi-me que estava trancado. Mas que raio? Fui para a casa de banho e tranquei-me. Olhei para o espelho e tentei lembrar-me de algo concreto. Desatei a chorar. Não conseguia confiar em ninguém. Ao ter ouvido a minha mãe falar sobre mim daquela forma percebi que tinha feito algo grave. Percebi que eu não tinha ido morar com Matias e Alice para passar férias, mas sim porque fora expulsa de casa.
Truparam à porta da casa de banho. Era Nicole. Disse-me que queria falar comigo. Limpei as lágrimas e abri. Ao ver o meu estado percebeu que tinha ouvido a conversa e abraçou-me.

- Vai ficar tudo bem. Em mim podes confiar.

- Será que posso? A Nicole que me lembro não é como tu és.

- Anda lá, eu vou ajudar-te a arrumar as tuas coisas.

- O meu quarto está trancado.
Nicole admirou-se.

- Bom, arrumas no meu quarto. – ouviu-se o som da campainha a tocar. – Vou só ver quem está aí e vou já ter contigo para te ajudar.

Fiz o que ela disse.

Minutos depois Nicole entrou no quarto a dizer que a visita era para mim. Espantei-me. Quem seria? Aproximei-me da sala e pelo reflexo da janela vi que era Mickael. O meu coração deu instintivamente um salto e fiquei pálida. Como é que o Mickael veio a minha casa para falar comigo? Será que eramos amigos antes do acidente? Eu não me lembrava de ter falado muitas vezes com ele. Conhecíamo-nos, falávamos às vezes, mas ele não me correspondia como desejava. Avancei sem medo e sentei-me no sofá, ao lado dele. Fiquei apenas a olhar para ele, admirada, sem nada dizer nem fazer.

- Precisamos de falar. - começou - Soube que perdeste a memória por causa de um acidente.
Engoli em seco tentando ganhar coragem para falar e a minha voz saiu a tremer.

- Sim, é verdade… Não me lembro sequer como aconteceu, só sei que acordei no hospital, acompanhada de amigos que eu não conhecia, também magoados pelo acidente.

- Então não te lembras de nada nem de ninguém? -perguntou seriamente.

- Quase nada e quase ninguém… Só me lembro dos meus pais, de ti e alguns amigos da infância. Mas não sei de nada do que fiz a partir da adolescência. É difícil conseguir lidar com isto porque as poucas pessoas que acho que conheço estão diferentes.

- Só espero que fiques bem...

O meu coração deu outro salto, desta vez tão forte que fiquei imediatamente corada. O Mickael estava preocupado comigo? Não me lembrava de termos esta relação de amizade, apenas me lembrava dos intervalos que eu passava a vê-lo a jogar futebol com os amigos, a persegui-lo e constantemente a tentar conversar com ele.

- Mickael... diz-me uma coisa. Nós falávamos antes do acidente? - por mais que custasse, tinha que perguntar aquilo.

- Bem… não propriamente. Eu tinha descoberto o que tu sentias por mim e num dia em que não estava bem-disposto, tratei-te mal. A partir daí passaste a odiar-me e eu comecei a perceber que no fundo sentia o mesmo. Comecei a sentir-me também apaixonado. Mas tu não ligaste e saíste daqui para viveres com o Matias. Desde aí nunca mais te vi. Hoje soube do acidente e vim ter contigo.

Depois de ouvir isso, fiquei confusa e atordoada. Como seria possível? Ele gostava de mim e eu não liguei? Como é que, depois de toda aquela paixão que sentia por ele, tinha decidido ignora-lo e mudar-me para casa desse Matias? Pelos vistos ele tinha-me feito algo que me fez odia-lo. Mas agora isso não interessava. Eu amava-o a ele e não ao Matias.

- Desculpa lá. É melhor voltares mais tarde para falar com ela. - disse Nicole para Mickael, vendo que me estava a fazer sentir perturbada com aquela conversa.

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