Caminhava a passos de tristeza pelas ruas do Porto avistando ao longe uma plaqueta com a direção
das ruas, e eu, sem conhecer nenhuma delas, sentei-me na ponta do passeio e
perguntei-me como é que a vida poderia mudar tanto de um momento para o outro,
sem eu sequer notar nada. Sentia-me completamente perdida, já sem sequer a mim
mesma me reconhecia. Via pessoas que me diziam coisas maravilhosas que eu fiz
na faculdade de belas-artes, entre elas histórias, danças, esculturas e bandas
desenhadas, coisas de que estavam todos fascinados sem eu sequer me lembrar de lá
ter entrado. Pessoas que me admiravam sem eu sequer as conhecer, estava tudo
tão confuso. Não me lembrava de nada, não sabia nada... Na minha cabeça apenas
me recordava de uma pessoa: o Mickael.
* *
* * *
* 10 anos antes... *
* * *
* *
- Luciana! Acorda,
está na hora de ires para a escola. - Gritava a minha mãe às 8.15h da manhã.
- Que foi mãe?
Ainda é tão cedo, deixa-me ficar só mais uns minutos - pedia eu, quase a
adormecer outra vez.
- Despacha-te!
Daqui a 10 minutos quero ver-te vestida!
Já bem acordada, e
ainda com os berros dela a ecoar na minha cabeça, levantei-me e às 8:30h estava
pronta para sair de casa. O meu cão, o Scarpy, tinha acordado também
sobressaltado com o barulho, correndo para a sala quando se ouviu a minha mãe
novamente:
- Eu tinha dito em
10 minutos! Vai lá, despacha-te senão ainda perdes o autocarro.
Tentei despachar-me
e caminhar o mais depressa possível, mas mal cheguei à paragem avistei o meu já
bem longe. -"Bolas!"- Fui resmungando pelo caminho. Minutos depois
começou a chover de forma torrencial, fazendo-me resmungar ainda mais enquanto tentava
abrir o guarda-chuva partido.
Eram já quase 9:00h
quando entrei na sala de aula, com um aspeto horrível, molhada e sem fôlego.
Olhei para o meu lado direito e vi um rapaz deslumbrante. Boquiaberta como uma
idiota, até me esquecera que estava perante toda a turma.
- Luciana!! –
Berrou a professora – O que bem a ser isto? Não basta chegar a estas horas à
minha aula como não bate à porta para entrar e nem sequer se justifica?
- Aah... pois, peço
imensa desculpa stora, eu perdi o autocarro e depois começou a chov...
- Não quero ouvir
mais nada, sente-se imediatamente! - interrompeu a professora gritando até
quase me furar um tímpano.
Sentei-me no meu
lugar, ao lado de Alice, sem desviar o olhar do novo aluno da turma que olhava
para mim aterrorizado com o meu aparecimento na aula. Perguntei a Alice se
sabia quem ele era e esta respondeu:
- Também não sei,
nunca o tinha visto antes. Há um bocado, antes de chegares, ele apresentou-se á
turma, chama-se Mickael Santos e tem 17 anos, se não me engano…
- 17? Tens a
certeza? Deve ter reprovado pelo menos 3 vezes…
- Foi mesmo isso
que ouvi.
- Estou admirada,
parece ser tão inteligente e tão simpático - disse eu lentamente.
- Só espero que
isso não seja mais uma das tuas "paixões à primeira vista". -
resmungou Alice
- Não te preocupes,
eu acho que é muito mais do que isso.
- Duvido que isso
me deixe menos preocupada... - disse Alice como para os seus botões.
A campainha tocou,
Mickael foi para o campo de futebol com os amigos e eu persegui-o. Cada vez que
ele passava por mim sentia o meu coração aos pulos e ficava ali deslumbrada,
sem palavras, completamente derretida.
O mesmo se repetiu
durante semanas em que fui tentando massivamente desenvolver diálogos com ele,
por mais curtos ou sem sentido que eles fossem. Sem dúvida que ele me achava
assustadora. Mas talvez fosse um assustador apaixonado (pensava eu).
Num dia de sol sentei-me
num banco da escola, com o mesmo objetivo de espiar tudo o que Mickael fazia até
que olhei à minha volta e reparei em Alice. Ao longe, entre o campo de futebol
e o bloco de aulas, vi-a a conversar com Mickael, ambos muito sérios. Aproximei-me
e tentei perceber o que diziam mas estavam, ainda assim, demasiado longe. Observei
depois Mickael a regressar ao jogo e Alice a olhar para mim, percebendo que eu
os estive a ver. Corri na direção dela, ansiosa por saber o que falaram.
- Então querida
amiga… - aproximei-me para a abraçar.
- Já sei o que vais
dizer, e a resposta é não. Não me atirei a ele.
- Errado, não era
isso que ia perguntar. Essa parte eu sei, estava de olho em ti. – brinquei. –
Falaste-lhe de mim?
- Não, mas ele
falou de ti.
- Tas a gozar-me?
Porque não começaste a conversa logo por aí? Anda senta-te, o que ele disse??
- Disse-me que te
achava muito engraçada e que está doido por ti.
- O quê? A sério? -
senti o meu coração a subir o esófago.
- Não. – riu-se da
minha cara até se cansar e continuou – Por acaso foi uma conversa séria que
gostava de ter contigo com calma. Tu tens que parar com isso que tens estado
este tempo todo a fazer, caso contrário o rapaz vai acabar por mudar outra vez
de escola.
- Desculpa mas se
há alguém que tem de parar com o que tem andado a fazer, esse alguém és tu. Estás
sempre a pedir-me para me afastar dele. Para com isso e diz o que ele te disse.
- O que estás a
insinuar? Eu disse-te a verdade!
- Admite Alice,
também gostas dele.
- Isso não é
verdade. Estou a dizer-te o que sei que é melhor para ti. Ele não gosta de ti.
E com as perseguições só tens conseguido faze-lo gostar menos.
-Tu não o conheces!
- Conheço mais do
que tu, que apenas conheces aquilo que ele parece ser. Digo-te já que ele é
bruto, e muitas vezes é mal-educado.
- Eu gosto da má
educação dele…
- Então ainda bem,
porque lhe disse que gostavas dele.
Olhei para ela
possuída pela raiva. Não queria acreditar.
- Disseste o quê??
– explodi. Ela tinha-me prometido o oposto.
- Perdoa-me
Luciana. Ele pressionou-me. Já te disse que ele é bruto, devias acreditar em
mim.
- Não podias ter
feito isso Alice. – estava fula. – E pára de falar mal dele porque isso não
vale como desculpa. Vou conhece-lo melhor e vais ver que estás errada.
Virei-lhe as costas
e fui para as aulas. A minha confiança por ela tinha sido destruída e por isso
não voltei a falar com ela durante os dias seguintes.