sábado, 25 de abril de 2015

Capítulo 9 – Um Espaço Vazio

Acordei no hospital e a minha cabeça "explodia" de dor. Via tudo à minha volta completamente desfocado. Um médico colocou-se na minha frente e, percebendo que me encontrava perturbada e confusa, disse-me para fechar os olhos e tentar descansar. Assim o fiz, mas a dor era tanta que era impossível.
Senti uma mão a tocar na minha, então abri os olhos, vendo que era um rapaz que sorria para mim.
- Quem és tu? - perguntei afastando a minha mão, ao mesmo tempo que o sorriso do rapaz se desfez.

O seu olhar da cor do mar transmitiu sofrimento. Com isto o médico aproximou-se dele e pousou a sua mão por cima do seu ombro. De seguida os dois murmuraram durante um longo período de tempo. O rapaz mostrava-se aterrorizado. Não fazia mesmo a mínima ideia quem era. Não percebia porque estava no hospital, não me lembrava sequer de me ter magoado, apesar de me doer todo o corpo. Via tudo destorcido e por isso questionava-me se estaria a sonhar.

O rapaz tornou a aproximar-se de mim. Como é que os médicos deixavam entrar um estranho para me ver?

- Então posso dizer-lhe eu, doutor? - perguntou o tal rapaz.

O médico assinalou que sim com a cabeça e o rapaz sentou-se no canto da cama hospitalar, perto de mim.

- Luciana, tu tiveste um acidente muito grave e perdeste uma grande parte da tua memória. Eu sou o teu namorado, o Matias.

- O quê? Como é possível? – mal conseguia falar com a dor que sentia na cabeça. – Como sei que isso é verdade?

- Tens que saber! Porque é a verdade! – levantou a voz e os seus olhos lacrimejaram. – Tens que te lembrar de mim Luciana…

A forma como implorava assustava-me.

- Matias não vale a pena. – alarmou o médico. – Se ela não se lembra agora não se vai lembrar mais. Pelo menos não da mesma forma que se lembrava antes do acidente. Tem paciência.

- Devia ter ido com ela… devia tê-las levado de carro à porcaria do cinema…

Não sabia do que falava. Estava cada vez mais confusa. Lembrava-me de várias coisas sobre mim. Como podia ser verdade que tinha perdido a memória? O tal rapaz chamado Matias saiu da sala e fiquei a sós com o médico. Decidi esclarecer as minhas dúvidas. Divulguei as minhas perguntas e o médico respondeu que era provável que eu apenas me tenha esquecido das memórias mais recentes. Pediu-me para que me tentasse lembrar do que tinha feito ontem ou na semana passada e percebi que tinha razão. Não me lembrava de absolutamente nada do que tinha sido a minha vida durante os últimos meses. Apenas sabia como tinha sido a minha infância. Lembrava-me da minha família, lembrava-me dos meus primeiros amigos da escola e a partir daí nada mais sabia sobre mim. O que o rapaz me tinha dito chocava-me. Como podia namorar com ele? Eu lembrava-me de estar perdidamente apaixonada por outro rapaz.

De seguida comecei a sentir-me melhor até que o médico informou-me que podia ir para casa.

Ao sair daquela sala deparei-me com quatro raparigas a olhar para mim. Continham o choro e sorriam com vontade de me abraçarem. Apenas uma delas conhecia: a minha irmã, Nicole. Das outras uma delas era loira, encontrava-se de cadeira de rodas e informou-me que se chamava Kelly. As outras duas eram morenas e disseram-me que se chamavam Carolina e Alice. A primeira rapariga, que se apresentara como Alice e uma grande a miga minha, aproxima-se dizendo para o médico: "Somos amigas desde sempre, ela tem de se lembrar de mim, certo?”. Olhou para mim e vendo que eu não tinha qualquer reação começou a chorar.

- Não sei quem és, desculpa. – atrapalhei-me.

O médico disse-lhe que por vezes há exceções e ela saiu disparada do hospital. Lamentava imenso não me conseguir lembrar naquelas pessoas. De seguida reparei no braço de Nicole, coberto de ligaduras.

- O que te aconteceu?

- Pergunta antes o que nos aconteceu...

O médico olhou para ela e avisou-lhe que não exagerasse nas informações que me dava sobre o que não me lembrava, pois poderia pôr-me demasiado confusa.

- Oh mana... - disse aproximando-se - sofremos todas um grande acidente. A Alice e a Carolina apenas se magoaram um bocado ao cair no chão, mas connosco foi pior. Eu desloquei o braço, a Kelly perdeu a força nos músculos da cintura para baixo e tu perdeste a memória! Mas tudo isto irá passar com o tempo não te preocupes - disse Nicole passando-me a mão pela cabeça.

Achava estranho Nicole falar comigo daquela forma tão amigável e carinhosa. Até a minha própria irmã desconhecia!

- Doutor, ela já pode vir para casa? – perguntou o meu suposto “namorado”.

- Com certeza. Mas tenha cuidado, não convém ajudar-lhe a lembrar-se das coisas, ela tem que recuperar a memória sozinha e com muita calma, caso contrário, pode ser pior. Não a pressione e ficará tudo bem.

- Vou para tua casa? E os meus pais? – perguntei olhando em meu redor.

- Ahm, antes do acidente moravas comigo e a Alice...

- Desculpa mas não vou para uma casa de dois estranhos. Ainda nem sei se devo acreditar no que tu dizes…

- Está tudo bem Luciana. – disse Nicole - Eu confirmo. Ele é o teu namorado.
Não sabia o que fazer. Não podia trata-lo como meu namorado se não o amava.
- Talvez tenha sido mesmo meu namorado, mas agora não é. – vi o olhar de Matias completamente despedaçado. – Desculpa…

- Não… tudo bem. Vais para tua casa com a Nicole. – esta olhou para ele como quem não achava boa ideia.

- Oh não me apetece nada ir para casa… O que achas de acamparmos hoje? – lembrou-se depois – Era uma boa ideia, não?

Matias passou as mãos pela cabeça e caminhou de um lado para o outro.

- Não Nicole! Quero ir para casa! Quero ver os pais! Qual é o problema?
Sentia-me cada vez mais assustada.

- Já chega! – Matias agarrou-me – Tu vais comigo.

- Larga-me! – dei-lhe um estalo.

- Luciana pára! Acredita em nós, é melhor ficares em casa dele!

 - Não me podem obrigar.

- Só hoje! Eu falo com os pais, não te preocupes. – Disse esforçando um sorriso e pondo Matias mais descansado.

Embora contrariada, acabei por ir com Matias. Estava tudo tão confuso! Que acidente teria sido aquele? Será que Matias era mesmo de confiança? Não sabia se devia acreditar na Nicole.

Entrei no carro de Matias e permanecemos mudos durante todo o caminho.

- Bem-vinda ao nosso lar temporário. – disse pegando no meu casaco – Esta não é a minha casa. É a casa de Alice. – apontou para a rapariga que estava sentada no sofá contendo as lágrimas. Era a rapariga que tinha dito que eramos amigas desde sempre. – Nós tínhamos decidido ficar aqui durante uns tempos, até encontrarmos uma casa só para nós os dois. Íamos recomeçar uma vida completamente nova… – a sua voz falhou.
Alice levantou-se, aproximou-se de mim e pegou levemente na minha mão. Sorriu para mim e pela primeira vez não a senti uma estranha.

- Anda, vou mostrar-te o vosso… - olhou para Matias - …o teu quarto.

Matias acompanhou-nos. Lá dentro, Alice deixou-nos a sós. Ele observou-me a sentar-me na cama e a olhar para o vazio. De repente aproximou-se e beijou-me. Empurrei-o atrapalhada.

- Estás doido? – afastei-me para não lhe dar outro estalo.

- Desculpa, desculpa… - arrependeu-se – Quero que voltes a ser a Luciana que eras! Não aguento ter-te assim. Pensei que se te beijasse irias lembrar-te.

Virei-lhe as costas e aproximei-me de uma mesa pequena, coberta de fotografias nossas.

- As coisas não são assim… Não me vou lembrar de tudo como por magia. – peguei numa das fotografias - Parecemos tão felizes...

- E eramos! – disse de voz trémula. - Não sei quanto tempo irei aguentar longe de ti, eu amo-te tanto!

Afastei-me de repente.

- Quero voltar para casa. Isto não parece real! Parece que de um momento para o outro morri e ressuscitei numa vida completamente diferente!

- Eu percebo. É perfeitamente normal sentires isso mas por favor não vás. Os teus pais não te vão aceitar!

- Claro que me vão aceitar, não admito que digas isso. – desta vez ficara ofendida. – Dizeres isso só para eu ficar aqui não ajuda! Cada vez acredito menos no que tu dizes. - disse pegando no telemóvel – Acabou, vou agora mesmo telefonar para eles.

- Não! - berrou Matias, tirando-me o telemóvel das mãos - Por favor, não faças isso... Vais-te arrepender.

- Dá-me o telemóvel! – exigi.

- Desculpa, isto é para o teu bem. Ainda é cedo para poderes voltar para casa. Dá tempo para a tua irmã poder ajudar-te.

- Ajudar-me em quê? Então vou a pé para casa.

- Não sejas maluca! Estas muito longe de casa!

- Onde estou?

- Não interessa…

- Diz-me! – ordenei.

- Estás em Coimbra…

Olhei em redor sem saber o que pensar. Não tinha qualquer remédio senão ficar ali.

Com isto deitei-me, irritada. Matias não devia fazer aquilo, eu tinha todo o direito de falar com os meus pais quando quisesse. A minha cabeça latejava. Só pedia um telefonema pois começava a ficar com medo que me escondessem que os meus pais estavam mortos.

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