domingo, 12 de julho de 2015

Capítulo 19 – “Estou a fazer tudo mal!”



Mickael levou-nos até casa e perguntou-me se precisava que ele ficasse comigo no quarto para que não sentisse medo, e eu respondi que não. Em casa sentia-me segura, por isso não precisava que ele se incomodasse por minha causa. Então despedimo-nos e ele foi para sua casa.

No fundo começava a sentir-me farta de ter as pessoas em meu redor constantemente preocupadas comigo. Sei que sou medrosa e sei que tenho momentos de muita confusão com as minhas memórias, mas por vezes preciso de me sentir capaz de lidar com os meus problemas sozinha.

Todos se deitaram e eu dormi durante 5 horas sem sonhos nem pesadelos o que foi um recorde! Soube mesmo bem. No entanto depois de acordar não consegui adormecer mais. Decidi levantar-me e ver um pouco de televisão na sala. Embora me sentisse confortável, não gostava nadinha daquele silêncio da noite. Percebi que até o Scarpy dormia como uma pedra e eu ali sentada, a ver televisão como se fossem 4 da tarde.

No entanto ouvi um ruído vindo do meu quarto e fiquei preocupada. Estavam todos a dormir, quem sería? Os meus pensamentos desviaram-se logo para os homens que nos ameaçaram, ficando assustada. Estaquei durante alguns segundos sem saber o que fazer até ouvir novamente um ruído estranho que me garantisse que estava alguém lá dentro. Depois de ouvir um ruído ainda mais forte pus-me de pé de rompante e avancei vagarosamente para ver quem era. Peguei no que estava mais perto para me poder proteger se necessário e, quando acendi a luz do meu quarto vi que Matias estava na minha varanda, a trupar lentamente na janela e a pedir que o deixasse entrar. O meu nervosismo abrandou, e dei um leve suspiro de alívio.

Abri a janela e perguntei-lhe porque raio é que veio trepar à varanda do meu quarto às 4h30 da madrugada. Sempre achei o Matias um ótimo rapaz mas por vezes parecia-me uma pessoa bastante estranha!

- Não parava de pensar em ti, se não te viesse ver não ia conseguir dormir. – Explicou Matias.

- Pronto já me viste, adeus. – Disse-lhe eu, abrindo a janela para ele sair.

- Não sejas assim Luciana…

Tentei ignorar e continuei com a janela aberta à espera que ele saísse.

- Porquê que estás a agir assim comigo? Fiz-te algum mal? – Perguntou revoltado com a minha atitude.

- Sai daqui Matias!

- Não saio enquanto não me explicares o que se está a passar! – Disse sentando-se na cama de braços cruzados.

Olhei para ele impaciente. Depois saí do quarto para me certificar de que não tínhamos acordado ninguém e desliguei a televisão. Voltei para o quarto com esperança que ele tivesse desistido mas ele ainda lá estava, exatamente como antes de eu sair.

- Vais demorar a sair? Eu quero fechar a janela, está frio!

- Não há problema. – Levantou-se, fechou a janela e voltou a sentar-se no mesmo sítio e com a mesma expressão.

- Pára com isso! Pareces uma criança que vai fazer birra até ter o que quer!
- Eu acho que tenho todo o direito de saber porquê que me estas a evitar e a falar dessa maneira… Desde que nos conhecemos nunca foste tão fria comigo como estás a ser agora. Tu não és assim! Podemos não ter nenhuma relação mas a Luciana que conheço é simpática e divertida até com as pessoas que a odeiam. – Fez uma pausa - Foi o Mickael que te obrigou a afastares-te não foi?
- Calma aí… O Mickael nunca me obrigou a fazer nada! Ele não conseguia confiar em mim se eu continuasse a falar contigo todos os dias por isso tive que me afastar.

- E isso não é obrigar?

- Não! Eu fiz isto porque não quero que ele se zangue comigo por tua causa. São coisas muito diferentes!

- Mas não precisamos de nos odiar. E neste momento é isso que parece. Não aguento estar assim contigo.

- Eu não te odeio, simplesmente não quero problemas.

- Juro que não percebo porque fazes isto. Eu sei que gostas que esteja perto de ti.

- Menos, muito menos…

- Eu sinto isso pela forma como olhas para mim e não vale a pena negares.

- És tão convencido. Poupa-me! – Revirei os olhos.
Levantou-se e caminhou até perto de mim.

- Disse alguma mentira? – Olhava-me profundamente nos olhos. – Estás a faze-lo agora mesmo. E tenho a certeza pois é exatamente a mesma forma que me olhavas quando eramos completamente apaixonados. Essa chama ainda não apagou!

As nossas faces aproximaram-se. Olhávamos um para o outro como se estivéssemos hipnotizados. Voltei a mim e afastei-me.

- Isso não é verdade. Tu fazes-me perder a noção das coisas!

- Será? Se tu não te consegues controlar quando estás a sós comigo isso quer dizer alguma coisa…

Fez-se silêncio e Matias observou-me com um ar de admirado.
- Parece que afinal tenho razão!

Tocou nos meus cabelos. Os nossos rostos voltaram a aproximar-se até quase se tocarem e os olhares voltaram a ficar hipnotizados um no outro. Comecei-me a sentir como no dia em que o Mickael me fez a surpresa da cabana, no momento em que estava deitada com o Matias na praia, a olhar para as estrelas. Sentia-me novamente enfeitiçada. Lentamente, foi-se aproximando mais de mim, e foi então que os seus lábios se encostaram nos meus. Tão levemente que eu quase não senti. Acariciou-me com uma das mãos enquanto a outra continuava a remexer lentamente nos cabelos. À medida que o beijo se desenvolvia para uma chama cada vez mais forte senti várias lembranças a percorrerem-me a mente. O ambiente escaldava e persenti os nossos corpos a pedirem por mais. Entre as lembranças ao mesmo tempo confusas e belas lembrei-me da imagem do Mickael a alvejar furiosamente o Matias. Estava outra vez a deixar-me levar pelos encantos dele, e outra vez, a cometer um grave erro.

Voltei a mim e empurrei-o. Ele continuou a olhar para mim sem se mexer um centímetro.

- O que estou eu a fazer? Sai daqui! – Virei-me de costas para ele e elevei as mãos à cabeça sem saber como corrigir a situação.

- Desculpa… Não devia ter feito isto. – Disse Matias.

- A culpa não é tua! Eu não devia permitir isto… Estou a fazer tudo mal. Não te devia dar falsas esperanças, e não devia fazer isto ao Mickael, ele não merece! Estou tão arrependida…

- Os teus atos admitiram que gostas de mim…

- E gosto! Mas não desta forma! Tu enfeitiças-me! Confundes tudo o que tenho na minha cabeça. Desaparece e deixa-nos ser felizes! – Estava a gritar com ele e esse era outro erro que acabava de cometer. Imediatamente arrependi-me mas era já tarde de mais.

- Ok. Era uma resposta concreta que queria ouvir. Não volto mais a meter-me na tua vida. – Dirigiu-se para a saída.

- Não, espera! - Agarrei-o. – Desculpa ter feito isto. Podemos ser amigos.
Ele virou-se para mim e olhou-me irritado.

- Não Luciana, tu tens razão. Já tive mais do que provas suficientes de que já não me amas como antes. Tenho a certeza que não sei ser apenas teu amigo. O que mais quero é apenas saber que estás feliz. Mas assistir a essa felicidade com outro não consigo. Lamento não ser capaz disso. Eras a minha vida mas agora acabou e agora poderás ser feliz à vontade com quem tu queres.
Virou-me costas, abriu a janela e desceu a varanda. Sentei-me na extremidade da cama. Sentia uma salada inexplicavelmente desconfortável de sentimentos.
De repente o pior veio-me à cabeça. A forma como o Matias falara era assustadora e eu não podia permitir que ele fizesse algo errado a si próprio por causa do meu erro.

Corri até à varanda e chamei por ele, mas fui incapaz de o parar. Apenas o consegui avistar ao longe, apressado e decidido,  sem olhar uma única vez para trás.


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