sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo 15 – Surpresa

Acordei novamente sobressaltada por causa do mesmo pesadelo. Começava já a habituar-me a não dormir quase nada. Levantei-me, lavei a cara e fui para a cozinha.

- Já acordada? – era Alice que já estava bem acordada e a preparar o pequeno-almoço.

- Assustaste-me. – disse esfregando os olhos ainda com remela. – Tive outro pesadelo, sobre a mesma coisa e perdi o sono…

- Talvez apenas precises de relaxar a tua mente. – disse enquanto tirava pão de uma saca para o colocar na torradeira.

- Alguns dos sonhos que eu tive coincidiram com o que descobri sobre o Mickael e sobre as fotografias que vi no meu antigo quarto, por isso tenho receio que estes pesadelos me tenham também acontecido…

Alice permaneceu uns segundos calada. Depois ganhou coragem e falou.

- Na verdade… aconteceu!

- Aconteceu?

- Sim, foste mesmo agredida. Esses homens perseguem-te desde há muito tempo, nunca conseguimos perceber porquê. – fez uma pausa - Já que estamos a falar disto queria-te dizer mostrar uma coisa. - deslocou-se até à sala e voltou com 3 fotografias na mão. – Depois do acidente desconfiei se esse acontecimento não teria sido também causado por eles. Decidi ir à polícia, disse que eles te andavam a tentar fazer mal há algum tempo e conseguiram encontrar imagens do acidente. Descobriram a matrícula do camião e os seus donos, que são estes. – apontou para as imagens. - Queria que me dissesses se te consegues recordar de algum deles.

Observei atentamente, fotografia por fotografia.

-Não faço a mínima ideia. O sofrimento que sentia enquanto me batiam é a única coisa que os sonhos me fazem lembrar. O que aparece em redor é tudo completamente abstrato.

- Também já mostrei estas fotografias ao Matias e ele diz que tem quase a certeza que um deles que ia no camião era um dos que te perseguiram.

- O Matias? Mas como é que ele sabe?

- Quando vocês namoravam ele protegeu-te desses bandidos, numa noite em que eles se preparavam para fazer das suas a vocês os dois. Estavam uns 6 a correr atrás de ti. Se ele não se intrometesse nem sei como te safavas!

- Uau, afinal já me salvou a vida duas vezes.

- E tu em vez de lhe retribuíres, dás-lhe com os pés e corres para o Mickael!

- Alice, não vamos começar outra vez com esta conversa!

- Pronto, pronto… e por falar no teu amado Mickael – humorizou Alice – Tens ali em cima umas flores que te ofereceram, suponho que tenha sido ele.

- Estás a ver como ele é querido? Não sei porque não gostas dele! - brinquei.

Aproximei-me das flores e peguei nelas, encantada com a sua beleza. Entre elas encontrei uma pequena caixa de bombons em forma de coração.



- Oh, tão fofinho! – exclamei derretida, fazendo Alice desviando o olhar de forma engraçada.

De seguida encontrei um cartão com um texto escrito à mão que li em voz alta para lhe continuar a provocar:

Rosas vermelhas do amor! Aqui as tens, são tuas. O cheiro delas condis com o teu cabelo perfumado. A beleza das suas pétalas não alcança mas identifica-se com a beleza de todo o teu ser. A cor vermelha significa o amor ardente que sinto por ti e os bombons são pedaços do meu coração que entrego somente para ti, para que o saboreies e o sintas a bater bem forte a cada instante que estou perto de ti. – olhei para Alice, dissolvida com tanta poesia, e continuei – Todos estes traços são os que melhor te caracterizam, e por isso eu te amo mais do que tudo!...

Fiz uma pausa e verifiquei que tinha ainda uma pequena frase, em letras pequenas, e continuei a ler.

P.S. Não te preocupes com os espinhos das rosas, pois eu sempre estarei presente para te proteger de tudo! Um grande beijo com carinho… abrandei sem acreditar -  …do teu Matias!

Alice desatou-se a rir como uma completa desvairada e eu permaneci séria a olhar para ela.

- O Matias enviou-te isso? "Estás ver como ele é querido? Não sei porque não gostas dele!". - imitou-me.

- Não tem piada nenhuma. Ele é um convencido… Viste o que ele pôs no final? “Do teu Matias”. Desde quando é que ele é meu?

- Pois, disfarça… Eu bem vi a tua cara de babada com essa surpresa.

A campainha tocou. Ignorei a Alice e virei-lhe as costas para abrir a porta. Era o Mickael.

- Olá fofinha! – disse animado, cumprimentando-me com um grande abraço – tenho algo para te dizer.

- Esta bem. Vamos lá para fora para ficarmos mais à vontade.

Disse eu largando uma careta a Alice. Esta continuava a rir-se do meu enterro com as flores e Nicole, que apenas agora acordara, olhava para ela e para mim sem perceber a piada.

- Tenho uma surpresa para ti – disse Mickael sorrindo, mal ficamos sozinhos.

- Tens? – desta vez era mesmo dele, pensei.

Tirou dos bolsos um pequeno pano dourado-escuro e envolveu-o em redor da minha cabeça, assegurando-se de que não conseguia exercer qualquer visão. 

Com uma mão na minha cintura e outra nas costas, começou a conduzir-me, lentamente.

- Hmm. Para onde me levas? – perguntei curiosa.

- Veremos quando te tirar a venda. Nada de espreitar! – disse tapando melhor com as suas mãos.

Enquanto o sol se ia escondendo através do horizonte, eu caminhava junto de 
Mickael com as vendas douradas sobre os olhos.

Comecei a sentir pequenos grãos de areia a entrar pelas minhas sapatilhas, a brisa do mar a deslizar-me na cara e o doce cheiro salgado que eu tanto gostava.

- Devias ter-te preocupado em parar o resto dos meus sentidos. Metade da surpresa já está estragada!

- Acredita que não!

Caminhamos ainda um grande pedaço até que Mickael me informou alegremente que tínhamos chegado, finalmente, ao nosso destino.

Começou a desamarrar o nó que tinha dado na venda e eu dei-lhe a minha ajuda, não aguentava mais a curiosidade. Arranquei a venda para o chão e olhei em frente, boquiaberta. Mesmo à minha frente estava uma enorme cabana de madeira, toda ela enfeitada por flores brancas e violeta, conchas e búzios. Em frente da cabana tinha uma pequena fogueira acesa, com barrigas de porco preparadas para serem assadas ao jantar. Ao lado, uma pequena mesa estava igualmente bem enfeitada, juntamente com dois pequenos bancos de madeira. Pela areia pequenas luzes vermelhas brilhavam, com mais flores e folhas, que se espalhavam ao longo de todo aquele espaço da praia.

- Foste tu que fizeste isto tudo? – perguntei, olhando em meu redor. - está perfeito!

- Fui! Esta noite vamos dormir aqui. – informou Mickael, com um grande sorriso rasgado de felicidade.

Estava maravilhada! Todo aquele cenário transmitia um ambiente indubitavelmente confortável e harmonioso.

- Nem quero imaginar o trabalho que isto te deu. Tu não és bom da cabeça!

- Quando se trabalha com motivação, é difícil cansar-se. E acredita que não podia ter melhor motivação do que saber que iria receber esse sorriso rasgado que tens agora na cara!

A emoção de tudo aquilo envolveu-me e beijei-o, impedindo-o de falar mais. 

Não precisava de ouvir nem mais uma palavra, pois o ato dele substituíra todas as palavras que pudessem existir.

- Amo-te mesmo! – disse beijando-o novamente.

- Deixa-me pelo menos respirar rapariga!

- Senão fazes-me o quê?

- Terei que te torturar – olhou seriamente para mim.

- Só se me apanhares. - fugi dele.

Mal me apanhou fez-me cócegas no pescoço e nas costas. Comecei-me a rir sem parar e depois voltei a fugir dele.

- Não vale atacar os meus pontos fracos – brinquei – E que tal se fôssemos desfrutar daquela carne tão apetitosa? Visualmente é o mais interessante que está aqui... a seguir a ti. - Beijamo-nos novamente.

- Mas espera… – disse Mickael interrompendo o beijo – Ainda não viste a cabana por dentro!

Entrando a rir-me, estaquei a olhar para todo aquele espaço. Tinha um ambiente ainda mais acolhedor. Mesmo no centro tinha uma enorme cama coberta de rosas. Dos dois lados da cama tinha lindíssimas velas a fazerem de candeeiros, à frente da cama um bonito vaso, também ele, decorado com conchas e búzios e, por trás da mesma, duas grandes e lindas plantas que davam ao quarto um ambiente sereno, exótico e confortável. Todo o resto do espaço da cabana estava preenchido por garrafas de água, comida e outras coisas que pudessem ser necessárias.

- Tão atencioso… Está perfeita, não te esqueceste de absolutamente nada!

- Foi tudo a pensar em ti, meu amor. Vamos comer?

- Vamos! Mas primeiro é melhor avisar a Alice e a minha irmã que…

- Não te preocupes, está tudo tratado. Antes de virmos para aqui deixei um bilhete à Nicole a avisar que hoje não comias nem dormias em casa.

- Já nem digo mais nada. Pensaste mesmo em tudo!

Sentamo-nos nos bancos, ao lado da fogueira, comer. A carne estava uma delícia. Comemos tudo sem deixar uma única migalha e depois fomos até ao mar onde encharcamos as roupas de água gelada, e nos aquecemos, de seguida, em frente da fogueira já quase apagada, ao som da música do rádio.

- Só agora reparei que tínhamos rádio!

- Queres dançar? -questionou.
Ajoelhou-se e estendeu o seu braço perante mim, pedindo-me a mão para aquela dança. Gozei-lhe por não estar habituada aquele seu lado romântico. Os dois dançamos até o cansaço nos fazer cair na cama como dois calhaus.

Mickael adormeceu rapidamente. Já comigo… era o mesmo do costume. Por mais cansada que estivesse demorava uma eternidade para adormecer. Fechei os olhos e tentei concentrar-me no sono e no cansaço que sentia para adormecer mais rápido e, algum tempo depois, observei uma sombra. Mais alguém estava ali além de mim e de Mickael. De repente vi o Matias, entrando sorrateiramente dentro da cabana. Cobriu-me as costas e os ombros e deu-me um beijo na testa sem perceber que estava acordada. Virei a cara e levantei-me, de forma a ficar sentada na cama. Olhava parva para ele.

- Desculpa, acordei-te? – perguntou.

- O que estás aqui a fazer?

- Vim ver-te. – disse sentando-se no chão.

Agia como se aquelas atitudes dele fossem absolutamente normais.

- Quando é que vais parar de nos perseguir? Eu sei que no outro dia te dei uma espécie de incentivo para não desistires de mim. Mas foi um erro. Desculpa Matias, mas já não faz sentido isto continuar assim. Voltei a confiar no Mickael. 
Amo-o imenso e não quero que nada estrague isso.

- Dizes isso por causa disto? - perguntou olhando para a cabana. - Não é uma surpresa de um dia que faz um amor ser verdadeiro mas sim as pequenas coisas que ficam para sempre connosco. Eu sei que ainda tens a nossa chama acesa dentro de ti. - aproximou-se de mim.

- Sai daqui. Se o Mickael te vê aqui passa-se! – fixei-o seriamente.

Ele levantou-se e pegou na minha mão, levando-me para fora da cabana.

- Para com isso - disse eu parando de caminhar – Vais estragar tudo. Se o Mickael acorda…

- Pára de pensar no Mickael durante um bocado e descontrai. Ele não te pode julgar por estares com um amigo. Vem comigo.
Segurou novamente a minha mão, e eu deixei-me levar. Caminhamos até umas rochas perto do lugar onde a cabana estava e sentamo-nos a olhar para o luar a refletir no mar. Ele não parava de olhar para mim, o que me intimidava. Sinceramente, irritava-me o facto de isso acontecer. Sempre que estava sozinha com ele o meu sentimento por Mickael avariava-se. Ficava confusa.

- Gostaste das minhas flores? – perguntou sem tirar os olhos de mim e sorrindo.

-Sim, estavam lindas. Fiquei surpreendida com o teu texto…

- Só escrevi o que sentia.

Olhei para o nosso reflexo na água e vi que, mesmo sem eu dizer nada, ele continuava a olhar para mim. Depois olhei seriamente para ele.

- Ouve. Não quero que andes sempre a empatar a tua vida por minha causa. Para de me tentar conquistar… Desiste. Eu estou feliz com o Mickael, quero ter um futuro com ele e não quero continuar a ver-te constantemente a lutar por mim. Liberta-te de mim. Vive!

- Mas tu és a minha vida, se eu não lutar por ti morro! Acredita que se eu desistisse iria-me sentir muito pior do que não ser correspondido por ti. A esperança é a última a morrer e se eu desistir de ti é o mesmo que me suicidar.

Deitamo-nos na areia a olhar para as estrelas e Matias continuou a sorrir.

- Antes fazíamos isto várias vezes...

Os nossos olhares cruzaram-se de forma tão intensa que me fez lembrar, pela primeira vez, de uma memória com ele.

- Já chega! - levantei-me. - Vai-te embora daqui e não voltes a aparecer.

Caminhei em direção à barraca quando vi Mickael a sair dela. Vendo Matias atrás de mim, rapidamente percebeu que estivera com ele. Olhou para mim furioso. Caminhou até mim e agarrou-me no braço com toda a força, puxando-me até à cabana. Matias correu atrás de nós com medo do que ele fosse fazer com o estado de nervos com que parecia ter ficado. Mickael empurrou-me para dentro da cabana com toda a força, magoando-me. Estava assustada, nunca o tinha visto naquele estado!

- Calma! Não é nada do que estás a pensar!

- Então é o quê? Não acredito que tive este trabalho todo para nada. Tudo correu tão bem e afinal não sei o que queres. Queres os dois?

- Estávamos só a conversar!

Ao ver a forma violenta que Mickael me agarrava, Matias não hesitou, puxou-o para fora da cabana e atirou-se a ele como um lobo. Levantei-me e vi os dois no chão a baterem-se um ao outro agressivamente.

- Parem com isso! – berrei.

- Que seja a última vez que te aproximes dela! – disse Mickael levantando-se. – Estávamos tão felizes e tu vieste estragar tudo!

Com isto olhou para mim. Ao ver-me chorar caminhou furioso para dentro da cabana. Olhei para Matias e este estava estendido no chão a sangrar pela boca.

- Eu avisei-te. Deixa-nos em paz!

Era isto que eu mais temia acontecer. O Mickael era demasiado ciumento e o Matias era demasiado protetor. Nunca poderia correr bem uma aproximação pelos dois no mesmo dia, não sei o que tinha na cabeça.

Entrei dentro da cabana para falar com Mickael. Este já estava mais sereno e parecia arrependido.

- Estás mais calmo? – perguntei.

- Desculpa ter-te magoado… - disse olhando para a pisadura no meu braço. -Ver-te a vir de perto dele tirou-me do sério e perdi a noção do que estava a fazer.

- Não faz mal, agora está tudo bem.

Ele olhou para mim desiludido com o final daquela surpresa que parecia arruinada, olhando para as marcas no meu braço e no meu ombro. Insisti com ele dizendo-lhe que estava bem mas ele não conseguiu dormir enquanto não me passou gelo. Depois deitamo-nos e desta vez adormeci rápido.

2 comentários:

  1. é com este tipo de atitudes que muitas vezes temos de ter em atenção. pensamos que não é nada , mas é depois que aparecem casos de violencia domestica, e bla bla bla! (tou a dar mural ahahah)

    fui :p

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