segunda-feira, 15 de junho de 2015

Capítulo 16 – O piquenique


- Bom dia! – Disse Mickael beijando-me alegremente.

- Já vi que acordaste bem-disposto. – Disse ainda deitada.

Encostou-se a mim, beijou-me o pescoço e sussurrou no meu ouvido: «Desejo-te!». Fez-me arrepiar. Aquele seu lado sexy enlouquecia-me. Empurrei-o para o outro lado da cama e pus-me em cima dele.

- Eu digo-te o que desejavas! – Brinquei, beijando-o intensivamente.

De seguida voltei a deitar-me. Ele vestiu-se e começou a arrumar as coisas desarrumadas por toda a barraca.

- Anda lá, sai da cama preguiçosa! – Puxou-me pelas pernas.

- Deixa-me ficar só mais um bocado… – Pedinchei.

Pegou em mim ao colo e começou a correr em direção ao mar, fazendo-me berrar.

- Não! Não faças isso! Já estou acordada!

Chegando ao mar, parou e pôs-me no chão.

- Para a próxima dás um mergulho de cabeça!

Ri-me dele e lavei a cara no mar. Depois fui ajuda-lo a pôr as coisas dentro dos sacos e a desmontar a cabana. Como estava toda encaixada e coberta de milhões de folhas e flores, deu mais trabalho a arrumar do que o resto das coisas.

- Não tens que me ajudar. A surpresa era para ti por isso não faz sentido que te canses por causa dela.

- Não te preocupes, não estou cansada. Se arrumarmos os dois é muito mais rápido.

Depois de tudo arrumado, transportamos as coisas para a cave da casa da Alice, para que eu pudesse ficar com recordações. Depois despedimo-nos e deixei-o ir para casa descansar.

Quando entrei na casa, que já considerava como a minha própria casa pelo facto de viver juntamente com a minha irmã e a minha melhor amiga, Nicole não me deixou fazer nada enquanto não lhe contasse tudo o que se passara. Assim o fiz e enquanto falava do que correra bem, ela ouvia-me animadíssima. No entanto, mal acabei de contar o que acontecera quando Matias apareceu, o entusiasmo dela desencaminhou-se.

- Será que esse rapaz só aparece para estragar as coisas? – Resmungou zangada.

- Não é bem assim. Ele veio com boas intenções.

- Com que boas intensões viria ele para uma surpresa realizada pelo teu namorado? Aposto que fez de propósito para que o Mickael se chateasse contigo!

- O Matias que conheço não é assim. Aliás… ele ainda nem devia saber que nós namorávamos!

- O Matias que conheces? Já te lembraste dele?

- Não… Mas as conversas que já tive com ele já deram para perceber que é um bom rapaz.

- Seja como for… Tu como namorada do Mickael devias respeita-lo, em vez de te deitares a ver “estrelinhas” com o Matias.

- Somos só amigos, não fizemos nada de mal!

- Eu acho que ela faz muito bem, o Matias é um bom rapaz. – disse Alice que acabara de entrar na sala.

Olhei para elas as duas.

- E eu acho que vocês já se estão a meter demasiado na minha vida! Desculpem lá mas quem sabe quem é melhor para mim sou eu. – Bufei, começava a ficar irritada.

Sentei-me no sofá a ver um pouco de televisão.

Na verdade não tinha a certeza de quem seria o melhor para mim. Mickael tinha razão. Eu não sabia o que queria! Tinha a certeza que amava o Mickael, mas uma parte de mim ficava diferente com a presença do Matias. E claro que a Nicole e a Alice a tentarem-me convencer para caminhos opostos não me ajudava nada. Apenas faziam com que os meus sentimentos ficassem mais confusos. Se elas continuassem com aquilo ia dar em doida!

Entretanto a campainha tocou. Por momentos pensei que seria Matias. Abri a porta e fiquei surpreendida. Mesmo à minha frente estava a minha mãe a sorrir para mim.

- Não estava à espera de uma visita tua. – Cumprimentei-a e pedi que se sentasse comigo no sofá.

- Eu sei. Mas preciso mesmo de falar contigo. Depois da conversa que tivemos, depois do incendio, comecei a sentir uma culpa enorme por tudo o que te aconteceu ao longo deste tempo. Eu sei que já me perdoaste, mas continuamos tão distantes…

- Oh mãe… Deixa-te disso. Se eu disse que já te perdoei é porque já! É claro que continuo desconfiada, durante este tempo conheci uns pais que não eram os que eu conhecia. Mas está tudo bem. Eu também tive culpa do que aconteceu. Dizer que preferia ser órfã do que vossa filha é a pior coisa que se pode dizer a uns pais que me amam. Nunca vos devia ter dito o que disse. Todos cometemos erros!

Constança demorou alguns segundos a responder. Eu sentia a minha cabeça a latejar, com dores cada vez mais intensas mas tentei ignorar-las.

- … É que depois do incêndio e depois de já teres ido para a casa da Alice encontrei-me com o Matias na rua. Disse-me que tu já sofreste muito por minha causa e por causa do teu pai. Fez-me pensar sobre isso e percebi que tem toda a razão. Por isso vim aqui esclarecer melhor as coisas. Mas se tu me garantes que está tudo bem, fico muito mais descansada.

- Mais uma vez ele, a tentar ajudar-me…

- E quero que saibas que o teu pai não veio aqui comigo, esclarecer as coisas contigo, porque teve que ir trabalhar. Arranjou um emprego numa fábrica de brinquedos e tem andado muito ocupado. De qualquer forma ele não teve culpa de nada do que se passou. Ele e a Nicole apenas se limitaram a fazer o que eu mandava. Desculpa Nicole, se fui drástica contigo…

- Não faz mal, naquela altura eu não me dava nada bem com a Luciana, por isso não me importava. Também estou arrependida. Mas ainda bem que agora já está tudo bem. – disse Nicole.

Constança abraçou-nos às duas e Alice, que espreitava pela porta, assistia aquele momento, sorrindo para nós, comicamente quase emocionada.

- Bom, eu ainda não sei se vou continuar em Coimbra ou não. Ultimamente sinto que este não é o meu lugar. Sem o teu pai sinto saudades dos ares de Lisboa que eu tanto gostava em solteira. Mas por outro lado, não suporto a ideia de ficar tão longe de vocês. Aqui vocês podem-me visitar sempre que vocês quiserem ou precisarem de alguma coisa…

- … E você será, também, sempre bem-vinda nesta casa! – disse Alice juntando-se a nós.

Constança agradeceu, despediu-se de todos e foi-se embora.

Sentia-me aliviadíssima por ter as pazes com os meus pais esclarecidas. Apesar de não ter as memórias presentes na minha mente, sabia agora a maior parte do meu passado. Descobrir tanta informação em tão pouco tempo tem-me, ultimamente, custado enormes dores de cabeça, mas sem dúvida que valeu a pena. Agora o que me preocupava mais eram os pesadelos que eu ainda continuava a ter. Com certeza seriam sobre o meu passado com Matias, pois ainda muita coisa acerca disso estava em mistério para mim.

Embora mais discreto, ele continuava a vir ter comigo, às escondidas do Mickael. Ele não queria que o Mickael se chateasse comigo mas também não queria deixar de me ver, por isso aparecia quase todas as noites em minha casa. Entrava sempre sorrateiramente pela janela do meu quarto e, quando eu menos esperava, aparecia de rompante para me assustar. Por mais sermões que lhe desse para parar de fazer aquilo, não adiantava de nada, pois ele adorava parecer um zombie sempre a rondar-me e a aparecer nos momentos oportunos em que eu não estava nada à espera de o ver.

Esta manhã, quando eu estava ainda deitada, ouvi-o bater levemente na janela para o deixar entrar. Fiz-lhe gestos para que fosse embora e me deixasse dormir, mas ele mostrou-me que tinha um presente na mão para mim. Deixei-o entrar e disse-lhe que não precisava de gastar dinheiro comigo mas ele ignorou o que disse e desembrulhou o presente para mim. Era uma brilhante pulseira prateada, com pormenores azul-turquesa, e com o seu nome escrito a preto. Apesar de a ter achado lindíssima, disse-lhe que não a podia usar, pois se o Mickael me visse com ela, era capaz de matar-nos aos dois.

- Eu preocupo-me com a tua segurança… – disse Matias. - … E o que menos quero é que o Mickael te volte a magoar. Por isso não te vou pedir que andes com a pulseira no pulso… - Disse pausadamente, olhando-me nos olhos. – só te peço que a guardes, para não te esqueceres da minha existência.

Ria-me sempre da forma dramática que ele falava, mas não deixava de achar encantador.
Peguei na pulseira dele e coloquei-a no meu pulso esquerdo, fazendo-o olhar-me desassossegado.

- Não te preocupes! Quando estiver com o Mickael tiro-a.

Ele fez um breve sorriso maroto e foi-se embora.

Durante a tarde, a Nicole, a Alice, o Mickael e eu, fomos até à cascata da floresta que existia ali bem perto de casa, para fazermos um piquenique. Lembrei-me de convidar o Rúben para vir connosco, pois há imenso tempo que não o via. Já sentia saudades de estar com o meu primo mais próximo!

Aquele lugar era mesmo fascinante. No entanto quando caminhei por entre as primeiras árvores, despertou-se, na minha mente, uma imagem que me atarantou: eu estava deitada no chão, suja, a sangrar, extremamente assustada e a olhar para uma pequena saída no meio das árvores, de onde se via uma luz intensa. Era semelhante aos pesadelos e à mesma lembrança que me passara pela cabeça numa manhã em que vira tudo desfocado à minha volta, devido ao que a luz demasiado intensa provocara nos meus olhos. Fiquei pensativa com essa “visão”. Era uma lembrança em que tudo indicava que tinha sido agredida. 



Já me tinham falado de perseguições mas nunca me tinham dito que fora tão agredida por alguém. Precisava de esclarecer isso. No entanto tentei ignorar esse sobressalto de 5 segundos e fui divertir-me. Mergulhamos todos no riacho e entretemo-nos a valer com a cascata. Brincávamos como autenticas crianças num recreio. Alice, que não sabia nadar, atrapalhava-se com os chapiscos de água que atirávamos para cima dela. Horas depois, com o calor que sentia, acabou por arriscar e atirar-se para a água. O Ruben, como excelente nadador, ensinou-a a nadar em três tempos. No final sentia-se tão bem na água que nem queria sair de lá!

Enquanto isto, eu e o Mickael entramos numa pequena gruta que havia por detrás da cascata e permanecemos lá a observar a água a cair, escondidos de todos. Era um lugar mesmo deslumbrante!

Depois fomos dar um passeio pelos bosques e, no final da tarde, desfrutamos do piquenique que a Alice tinha preparado para nós.



- Que delícia! Estes queques estão fantásticos… - disse o Rúben que comia uns atrás dos outros – Foste tu que fizeste? – perguntou para Alice, sem parar de meter mais para a boca.

- Come com calma! – disse eu rindo-me – Deixa alguma coisa para nós!

- Sim fui eu que fiz! – respondeu Alice espantada, pois não sabia que ele era tão guloso – E não te preocupes, podes comer os que quiseres porque eu tenho mais lá em casa. – disse rindo-se.

- Ainda bem que não os trouxeste todos! – humorizou Nicole.
Mickael comia calmamente, dizendo poucas palavras. Estava pensativo, mas eu não o quis estar a massacrar com perguntas, dei-lhe apenas um beijo na bochecha para o animar um pouco.

No final do piquenique sentei-me num tronco de uma árvore com a ajuda de Mickael, que, de seguida, se sentou ao meu lado, enquanto Alice, Nicole e Rúben foram andando para casa.

Conversamos e namoriscamos até que vi Mickael a fixar o meu pulso.

- Tens uma pulseira nova? Deixa-me ver.

Reparei que me tinha esquecido de tirar a pulseira que o Matias me dera, que dizia o nome dele. Escondi de rompante o braço atrás das costas, atrapalhada.

- O que foi? – Perguntou-me sem perceber – Luciana, deixa-me ver, qual é o problema?

Olhei para ele, embaraçada.

- O que me estás a esconder? – Perguntou irritado.

Agarrou o meu braço e olhou para a pulseira. Reparou no que estava escrito em letras pequenas e olhou seriamente para mim.

- Não me olhes assim… Ele ofereceu-me esta manhã e gastou dinheiro a compra-la, não podia recusar.

- Estás a gozar comigo? Para além de a teres aceitado andas com ela no pulso. Afinal quem é o teu namorado?

Afastou-se de mim, estava novamente com ciúmes.

- Não te preocupes… Esta pulseira não tem valor nenhum. Não ando com ela no pulso por ter sido o Matias a oferecer-me, ando com ela porque é bastante bonita. – Fiz uma pausa. - Fica bem com esta roupa…

- Eu sei como tu és vaidosa! – Sorriu.

- Vês? É assim que eu te quero ver. A sorrir! Apesar de ficares muito engraçado com ciúmes. – Ri-me.

- Está tudo bem. Se tu dizes que não tem qualquer valor para ti eu acredito. – Sorriu novamente.

Já começava a escurecer, por isso começamos a caminhar para casa. Mickael estava mudo e novamente pensativo.

- O que se passa Mickael? – Tinha que perguntar.

- Nada…

- Não digas que não é nada, estiveste todo o dia assim!

Olhou para a paisagem em nosso redor e depois desabafou.

- É o mesmo de sempre… - Disse ele fixando-me furtivamente - Ele oferece-te presentes em tua casa, o que quer dizer que te vai visitar. Eu tento evitar os ciúmes e controlar-me para não acabar por te magoar novamente. Mas não consigo evitar! Eu sei que ele pode voltar a conquistar-te. Sei que não me amas o suficiente para o conseguires ignorar por completo e sei que se ele não parar de te tentar reconquistar vai acabar por conseguir o que quer… Tenho medo que te lembres de tudo e te apaixones por ele. Não quero que me deixes!

- Isso não vai acontecer Mickael, eu já falei contigo sobre isso vezes sem conta!

- Mas eu não consigo ficar convencido disso apenas com as tuas palavras. Os sentimentos não se controlam e eu sei que tu estás com ele quase todos os dias! Como é que eu posso ficar descansado?
Fiquei surpreendida por ele ter conhecimento daquilo.

- Tens de confiar em mim.

- Não posso confiar mais do que eu confio! Nem tu mesma podes confiar em ti. Se te lembrares do que viveste com ele vais mudar. Vais-te lembrar do quanto o amavas e do quando me odiavas. Fico fulo só de pensar isto!

Fis uma pausa na conversa.

- Pronto então eu prometo-te que me vou afastar dele.

- Não quero que prometas nada que não consigas cumprir.

- Se estou a prometer é porque sei que consigo cumprir.

- Mas tens que ser persistente. Ele não vai desistir! Se ele não se afasta tens que ser tu a afastar-te dele, de vez.


Arrepiei-me com a última palavra. Não tinha a certeza se queria deixar de falar com ele de vez. Ele podia ser um ótimo amigo. Mas tinha que escolher. E escolhia o Mickael, sem se sentir constantemente com ciúmes por mim. Hoje senti que ele estava farto, e não podia permitir que ele me deixasse por causa do Matias.

Sem comentários:

Enviar um comentário