sábado, 4 de abril de 2015

Capítulo 6 – Quem será?

As lágrimas percorriam-me por toda a face.

Não sabia para onde ir nem o que fazer, mas o que era certo é que nunca mais iria voltar a pôr os pés naquela casa. Começava a escurecer e eu continuava a caminhar sem qualquer rumo, sem qualquer destino. No entanto, sentei-me na beira da estrada e telefono a Alice completamente desesperada.

- Estou?! Luciana és tu? – perguntava Alice preocupada quando me ouvia a soluçar pelo telemóvel.

- Alice, fui expulsa de minha casa. Não tenho por onde ir, não sei o que fazer…

- O quê? Como é que isso foi acontecer?

- Aconteceu tanta coisa… Nem sei como te dizer.

- Olha tem calma. Diz-me onde estás que vou ter contigo. A minha mãe pode-me levar.

- Não te sei dizer onde estou…

- O quê?... Como é que foste parar aí?

- Estou em frente de uma casa abandonada. Posso ficar aqui. Não te preocupes.

- Como é que queres que não me preocupe?

- Vou ficar sem bateria. Eu fico bem, não te preocupes. – desliguei.

Olhei para a estrada e vi o Scarpy ao fundo da rua a correr na minha direção. Mandei-o voltar para casa, seria mais seguro para ele, mas ele pela primeira vez não me obedeceu e continuou a correr na minha direção saltando, de seguida, para o meu colo e lambendo-me de saudades como quem me limpasse as lágrimas.

- Oh Scarpy, só tu é que nunca me abandonas! – disse, ainda chorando.

Avancei o gradeamento da casa abandonada, percorri o quintal destruído e entrei dentro da casa que não tinha quaisquer portas. La dentro tinha tudo o que uma casa normal tem, mas tudo destruído de velho. Pelo menos o sofá estava num estado razoável. Podia ficar a dormir ali naquela noite. No próximo dia logo se veria o que ia fazer.

No dia seguinte acordei esfomeada. O Scarpy roía ossos de animais e eu contava o dinheiro que tinha ganhado na Roulotte. Não dava para quase nada. Teria que aceitar a ajuda da Alice antes que ficasse sem bateria no telemóvel.
Como dentro daquela casa não tinha rede, fui experimentar na rua.
Alice não atendia. Talvez fosse demasiado cedo.

Entretanto, um carro parou mesmo à minha frente. Era Matias. Este saiu disparado do carro, e parou de pé a olhar para mim estupefacto. As minhas feridas maiores ainda sangravam e notavam-se grandes nódoas negras na cara. Disse-lhe que se tivesse tempo, podia-lhe explicar tudo. Com a afirmação dele pedi-lhe para que entrasse comigo para dentro da casa. Lá, contei-lhe tudo o que tinha acontecido, desde a agressão à discussão com os meus pais e este ficou pasmado.

- Tens que ir ao hospital. Não imaginas como estás pálida. Tens de tratar essas feridas, estão a infecionar.

- Eu tinha tratado delas antes da discussão com os meus pais. Não te preocupes, eu estou bem.

- Não, não estás. As feridas estão a piorar.

- Eu estou bem. Só quero falar com a Alice…

- Comeste alguma coisa desde ontem?

- Não…

- Anda, pega nas tuas coisas. Vens para minha casa e eu vou-te tratar dessas feridas e dar-te de comer.
Fiz o que ele mandara. Não tinha outra hipótese senão aceitar a sua ajuda. Enquanto entrava no carro e Matias guardava as minhas coisas dentro dele, ouvi a voz de Alice.

- Luciana! – correu até mim e abraçou-me. – Oh meu deus, olha para ti. Não pareces tu. Tens que me explicar melhor o que aconteceu.

- Como sabias que estava aqui? – fiquei surpreendida.

- Estive a noite toda à tua procura. Tive sorte de te ver agora a sair da casa. – olhou para Matas – e quem é ele?

- É um amigo meu… Ofereceu-se para me levar a casa dele. – ambos se cumprimentaram.

- Ainda bem que há pessoas boas. – sorriu Alice, agradecendo Matias.

- Podes vir connosco e explicamos-te pelo caminho o que lhe aconteceu. – disse Matias.
Dito isto, entramos todos no carro, juntamente com Scarpy que me lambeu o caminho todo, até chegarmos ao destino. Alice preparava-me algo para comer enquanto Matias me desinfetava as nódoas negras e as feridas. Agora que estava a ser bem tratada, era suposto melhorar, mas cada vez ficava mais pálida e cada vez me sentia mais tonta e com menos forças.

- Não percebo… quem é que te quereria agredir daquela maneira? E como é que depois disso, os teus pais ainda têm coragem de te pôr fora de casa? – perguntou Alice.

- Eles nunca quiseram saber de mim para nada, é a única explicação lógica que encontro…

- Viemos tarde de mais, os golpes já estão infecionados. Alguns estão em carne viva, ao que me parece, usaram facas. Agora ela tem é que repousar. – avisa Matias pegando em mim e estendendo-me numa cama.

- Luciana, eu tenho que voltar para a universidade. Tinha dito à minha mãe que te ia levar para casa mas já percebi que estás bem acompanhada. – sorriu - Tu aqui vais ficar bem. Se precisares de algo liga-me. – disse ela cobrindo-me com uma manta.

Despedi-me dela. Vi-a a sair pela porta, ouvi Matias a pedir que descansasse e minutos depois adormeci.

Os dias foram passando e a relação entre mim e o Matias ia melhorando dia após dia. Com ele esquecia todos os problemas. Agora desabafava tudo com ele e ele tudo comigo. Era mais do que um melhor amigo, era uma pessoa realmente especial que jamais teria a oportunidade de conhecer! Ele, tal como eu, também teve momentos difíceis no passado em relação à família. Viu os seus pais morrerem queimados num incêndio quando era ainda criança. A sua única família era uma tia afastada e a sua irmã que se mudou para França. Por vezes desabafava comigo e chorávamos os dois. Limpávamos as lágrimas um do outro e com isso a nossa relação melhorava imenso. No entanto não eram apenas conversas tristes. Muitas vezes riamos os dois com as parvoíces que cada um cometia e esses bocados faziam-nos esquecer tudo.

Ninguém diria que, mesmo sem os meus pais, mesmo longe de Alice, mesmo sem as Artes em que eu me dedicava apaixonadamente, mesmo sem tudo isto conseguia viver feliz como nunca, apenas ao lado de Matias, pois bastava-me ele para me sentir completa.

Tinha desistido, tal como ele, dos estudos e fazia agora os meus próprios quadros e esculturas, e, ao fim-de-semana, ajudava Matias no café à beira-mar. Eramos felizes à nossa maneira, ajudando-nos um ao outro, sem quaisquer preocupações.

Num dia de sol fomos até à praia. Eu já estava completamente recuperada por isso aproveitamos para passear. Matias dizia que tinha algo muito importante para me contar, mas que preferia que fosse num local especial. Então sentamo-nos na areia, com as ondas do mar a mergulhar as nossas pernas e o vento a deslizar pelo nosso corpo. O sol caía em cheio sobre a praia, iluminava o mar até ao limite do horizonte e nós saboreávamos a aragem fresca observando as diferentes formas das nuvens.

- Então o que me querias dizer? – perguntei ansiosa – Estamos no lugar ideal para me contares o que quiseres que seja.
Sorrindo, Matias tomou uma das minhas mãos que tinha sobre a areia húmida e observou-me. O meu vestido esvoaçava ao sabor do vento, assim como o meu cabelo.

- Gosto de te ver – disse depois – Fica-te tão bem esse vestido…

- Já o vesti vezes sem conta. – respondi sorrindo.

- Mas desta vez está diferente, o vento e os raios de sol tornaram-no mais brilhante e reluzente, tal como o teu cabelo.

- Fazes-me sentir tão bem! – disse suspirando – Mas diz lá. Não mudes de conversa. Diz lá o que me querias dizer.

- Bem, há algum tempo que ando a tentar dizer-te isto, mas a verdade é que tenho receio que a nossa relação fique diferente depois de saberes.

- Não sejas parvo. Estarei sempre do teu lado, seja o que for que mude.

- Prometes?

- Prometo.


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