sexta-feira, 10 de abril de 2015

Capítulo 7 – Traços de Amor

Matias olhou-me carinhosamente nos olhos e sorriu.

- Há tanta coisa p'ra te dizer que nem sei por onde começar... Desde o dia em que te conheci que a minha vida mudou. A tua beleza, apesar de ser discreta, despertou-me desde o primeiro dia. Sinto uma paixão incompreensível! Cada segundo que olho para ti é pouco tempo, só queria poder olhar-te todos os instantes. És uma pessoa espetacular como nunca conhecera. Tornei-me tão dependente da alegria que me transmites que já não consigo viver sem ti. Não consigo sequer imaginar o que seriam os meus dias se desaparecesses ou deixasse de poder saber se estás bem. Amo-te Luciana. Amo-te como nunca amei ninguém e prometo que vou estar aqui para tudo o que precisares!

Estupefata, fiquei como uma estátua a olhar para ele. Não fazia a menor ideia do que lhe responder. Perdi-me nos pensamentos. Não tava à espera daquilo. Sabia que ele sentia muito afeto por mim, mas nunca imaginei que fosse dessa forma.

- Responde-me qualquer coisa rapariga, ou podemos começar a escavar para me enterrar. Está nas tuas mãos essa decisão. - brincou.

- Sabes que não sou a melhor com palavras. - ri-me - Apanhaste-me de surpresa. Garanto-te que gosto imenso de ti. Disso não te permito sequer que duvides! Mas sempre te vi como um irmão mais velho. Um amigo inseparável. É estranho imaginar-te doutra forma, desculpa...

- Não, está tudo bem. Desde que tu estejas bem eu também estou. Eu só não aguentava continuar a esconder-te isto. Tinhas todo o direito de saber o que sinto.

Sorri. Ainda bem que ele compreendia. A nossa amizade era tão perfeita que sentia um medo horrível de que alguma coisa a estragasse. Como conseguiria beijar um irmão? Nem sequer imaginar conseguia.

Dito isto Matias levantou-se de forma animada, tentando recuperar o ambiente agradável que pairava entre nós minutos antes daquela conversa. Fez-me cócegas e puxou-me até ao mar. A água estava gelada, o que nos fazia berrar como dois doidos enquanto chapiscávamos água um para o outro. A noite chegava e via-se no céu a lua completamente cheia. O luar reluzia na água onde nós permanecíamos ainda, brincando como duas crianças.



O frio começava-se a sentir cada vez mais na pele, por debaixo das roupas encharcadas, obrigando-nos a sair da água. Matias embrulhou-me no seu casaco de pele e abraçou-me. Olhei para ele. Não conseguia negar que agora o via de forma diferente. Mas havia qualquer coisa dentro de mim que me fazia afastar de todo a ideia de virmos a ser, no futuro, mais do que éramos.

Estávamos a caminho do carro quando avistei, ao longe, por entre a escuridão, um grupo de homens de roupas escuras, cigarros na mão e ar sinistro. Olhavam fixamente para mim como se fosse comida que já não viam há muito tempo à venda. Esta visão estranha fez-me lembrar de imediato os homens que me teriam agredido. Talvez fosse medo de os reencontrar ou talvez fossem efeitos do choque pelo que eu passara.

- Que se passa? - perguntou Matias, apercebendo-se que algo me perturbava.

- São aqueles homens. Não param de olhar para nós...

- Oh, ignora isso.

- Não estas a perceber... Parecem os que me bateram. - sussurrei com medo que nos ouvissem, apesar da distancia ser longa.

Matias deu-me a mão para que me acalmasse e mudamos de direção. Evitou olhar para eles. No entanto a nossa atitude piorou ainda mais a minha aflição. Vi os homens atirarem os cigarros bruscamente para o chão e começarem a caminhar na nossa direção. Tinham um sorriso na cara que me fazia estremecer.

- Eles estão-nos a seguir! - sussurrei aflita para Matias.

Aceleramos os passos. Estávamos perto do carro.

De repente ouvimos os passos deles cada vez mais perto de nós, como se tivessem começado a correr. Olhamos para trás e não vimos ninguém. Estava completamente em pânico! Tinham desaparecido da nossa vista e poderiam aparecer em qualquer lugar.

Corremos até ao carro, entramos e Matias acelerou a fundo.

- Cuidado! Eles esconderam-se, podem voltar a aparecer. Podem estar armados!

- Calma, já não nos apanham mais. - não parava de acelerar. – segura-te bem.
Olhávamos para todo o lado com medo que tivessem entrado num carro e nos seguissem até casa.

- Tens a certeza que eram os que te agrediram?

- Não... Mas se não eram porque nos queriam perseguir?

- Não sei. Vá, esquece isso agora, relaxa. - disse ao ver-me tremer. - Detesto ver-te assim.

Entramos dentro de casa.

- Enquanto estiveres comigo ninguém vai voltar a tocar-te.

- O que podias fazer se eles todos se virassem a ti? Sozinho não consegues fazer nada Matias. E eu nunca deixaria que te magoasses por minha causa. Não posso sequer imaginar o que te podia acontecer se tentasses enfrenta-los...

- Agora dorme. Amanhã pensamos em algo para o caso deles voltarem a aparecer.

Deitei-me como ele aconselhou. No entanto não conseguia adormecer pois a minha mente não relaxava. Imaginava-os a tentar entrar dentro de casa enquanto dormia-mos. Imaginava-os a fazer o mesmo que fizeram a mim ao Matias e cada vez que fechava os olhos sentia-me como se eles estivessem ainda a correr atrás de mim.

Momentos depois os meus pensamentos centraram-se no Matias. Voltei a pensar na forma diferente que o passara a ver depois de saber o que ele sentia por mim. Gostava de o conseguir amar da mesma forma. Sinceramente não percebia como não conseguia ama-lo. Ele era um rapaz perfeito e o sonho de qualquer mulher.

Talvez não me sentisse segura para me apaixonar novamente depois da paixão trágica e obsessiva que tivera com Mickael.

Na manhã seguinte acordei com um pesadelo mais perturbador do que o que acontecera naquela noite: Matias tinha sido assaltado e agredido e dois dos agressores era Mickael e eu, que no final nos beijamos. Não queria acreditar que a minha mente era capaz de imaginar algo tão horrível! Se soubesse teria ficado toda a noite acordada.

Olhei para as horas no meu telemóvel: 6h10. Matias dormia como um bebé. Não iria atrever-me a dormir um pouco mais pelo medo de voltar a ter outro pesadelo. Então decidi acarinhar Matias com uma surpresa pela manhã: um grande pequeno-almoço com torradas, feitas com pão fresco acabado de sair do forno e com compota de kiwi, panquecas, amoras, morangos e um café bem forte. Sabia que aquilo era mesmo “a cena dele”. Como me faltavam alguns ingredientes, saí silenciosamente de casa e caminhei até ao supermercado. Era ali bem perto, por isso sería rápido.

Ao vir embora nem queria acreditar. Mesmo à porta de casa estavam os mesmos homens da noite passada. Escondi-me atrás de um carro estacionado a observa-los. O meu coração tremia. Agora tinha a certeza que eram eles os agressores e que pretendiam mais algo comigo.

Não conseguia perceber todo aquele trabalho a procurar-me e a perseguir-me para me fazerem mal. O que queriam afinal? O que ganhavam com isso? Tudo estava perfeito até eles voltarem a aparecer. Porquê que não me deixavam viver sem medo?

Observavam todas as casas daquele espaço o que queria dizer que não sabiam qual a nossa casa em concreto. Mesmo assim teria que sair dali. Tinha que desaparecer. Não podia deixar que Matias saísse prejudicado por minha causa.
De dia conseguia perceber melhor o aspeto deles. Tentei desenhar o rosto de alguns deles na parte de trás da fatura das compras mas os nervos impediam-me de conseguir fazer alguma coisa. Revistei se trazia o telemóvel comigo para tentar fotografar mas deixara-o dentro de casa. Tentei fixar. Todos tinham corpos grandes e fortes. Ao todo eram seis. Três deles eram barbudos e morenos, outros dois tinham a pele pálida e um deles usava um casaco comprido, preto, de grandes palas que lhe tapavam a maior parte da cara. A outra parte era tapada pelos óculos escuros que usava o que impedia saber qualquer informação física acerca dele.

De repente vi-os a tentar subir o muro da casa do Matias. As imagens do pesadelo cercaram-me a mente. Não podia permitir que aquilo acontecesse. Reagi por reflexo e comecei a correr e a gritar. Se as pessoas ouvissem chamariam a polícia. Mal me viram tentaram apanhar-me e calar-me.

- É a mim que querem não é? Então venham! – berrei.

Fugi tentando leva-los para longe da casa e despista-los. Por Matias faria tudo. Era o meu bem mais precioso. A única pessoa que tinha todos os dias comigo.
Corria o mais que podia mas não tinha mais nenhum plano. Tentei esconder-me por entre as arvores quando um deles foi mais rápido do que eu e apanhou-me. A situação agravara-se. Vi os outros homens tirar facas pontiagudas dos bolsos e acelerar os paços em direção a mim.

Vi Matias atrás deles com uma garrafa de vidro na mão. Percebendo o que estava prestes a acontecer atirou-a contra o homem que me agarrava.

- CORRE! – berrou.

Um outro homem agarrou-o e fez-lhe um golpe no braço. Enquanto corria ouvi o grito de Matias e olhei para trás incrédula mas Matias logo gritou "Não pares!". Obedeci-lhe cobardemente. Corri e corri. Sem parar fui sempre em frente e escondi-me atrás de um castanheiro. Estava silêncio absoluto. O que teria acontecido a Matias? Sentia-me a pior pessoa do mundo. Como pude ser tão egoísta? Esperei alguns minutos e comecei a caminhar em direção ao local onde ficaram. Não conseguia ficar ali sem fazer nada. Não via ninguém. O desaparecimento de Matias cortava-me a respiração.

O sentimento de culpa dominou-me e desatei a chorar.

- Hey, hey, calma, estou aqui!                                     

Dei um salto de susto. Era Matias. Estava de perfeita saúde e pronto para ser esfaqueado novamente. Abracei-o.

- O que aconteceu? Como te livraste deles? Nunca mais voltes a fazer isto! – berrava com ele violentamente.

- Nunca mais voltes tu a fazer isto! O que tinhas na cabeça? Não conseguias safar-te com eles todos a correr atrás de ti. Sabe-se lá o que te podia ter acontecido se eu não fizesse nada. Para a próxima não queires resolver as coisas sozinha e avisa-me da melhor forma que conseguires. – Beijou-me na testa – Ah e os gritos foram boa ideia.

Sorri. Era tão bom tê-lo a salvo que deixei as emoções tomarem conta de mim.
Os nossos olhares cruzaram-se. Senti os seus longos braços encostarem-se na minha cintura e, encostando o seu nariz no meu, beijamo-nos sufocadamente. Os dois rodopiamos levemente como duas folhas levadas pelo vento. Os seus olhos cintilavam como dois diamantes. Quem me dera que o tempo tivesse parado naquele instante e tivéssemos ficado assim para todo o sempre. Mas o beijo acabou e rimo-nos os dois da ironia dos acontecimentos. Sentia-me realmente feliz, como todas aquelas luzes a alumiar todas as ruas. Era inacreditável o facto de todo aquele maravilhoso momento ter acontecido de forma tão parecida como no romance que lera no dia em que o conhecera.

- Só me apetecia aproveitar este momento mas não consigo deixar de me preocupar. – falei - Temos que curar o teu corte, tens que me explicar o que aconteceu, para onde eles foram e temos que sair daqui rapidamente.

- Tem calma. A esta hora já está toda a gente acordada. Eles não vão arriscar-se a voltar, pelo menos não por enquanto. Temos é que agradecer à senhora daquela casa – apontou para uma casa pequena, cor de laranja – porque graças a ela e a ti eu não morri hoje. Ela ouviu os teus gritos, reparou no que acontecia e chamou a polícia. Quando eu atirei a garrafa para tu poderes fugir vi-a a sair à porta e quando tu te escondeste ela gritou que a polícia iria chegar e eles fugiram. Disseram-me que isto não ficava assim e que iriam acabar o que começaram. Vamos sair hoje daqui. Sugestões de lugar?

- Apartamento da Alice em Coimbra. – disse sem hesitar. Sendo bem longe daqui é muito pouco provável que nos encontrem, certo?

- Sim, ótima sugestão! Partimos esta noite para chegarmos lá de dia. Senão a tua amiga mata-nos. – brincou.

- Vais deixar a tua casa, o sítio onde nasceste, onde viveste toda a tua vida…

- Ei… para já a conversa aí onde ficou. Ouve de uma vez por todas rapariga: O que tenho és só tu! Não tenho família, não tenho amigos. E todas as recordações que tenho aqui fazem-me sentir mal. Para mim é um alívio ter uma oportunidade para ir para um sitio novo e começar uma vida nova.

- Bem, nesse caso fico muito feliz por ti! – beijei-o.
Fizemos as malas e organizamos tudo para a mudança. Falamos com a Alice pelo telefone. Explicamos-lhe tudo o que acontecera e perguntamos se não havia problema ficarmos em casa dela uns dias, até arranjarmos uma casa para nós os dois. Claro que disse que eramos bem-vindos para todo o tempo que precisássemos.

Quando escureceu estávamos prontos para partir. A noite estava tão agradável que nos dava vontade de sentarmos no jardim a observar as estrelas. E assim fizemos. Eu observava as estrelas e, de seguida os olhos de Matias. Não havia diferença alguma: eram ambos reluzentes, ambos preciosos, ambos inspiradores, ambos amorosos…

- Luciana, vou-te contar uma crença minha. Há pessoas que acham uma estupides e depois de te contar podes-te rir de mim o quanto quiseres.

- Conta lá, não me vou rir. Se vem de ti de certeza que não é nenhuma estupidez.

- Desde pequeno acredito que os nossos sentimentos têm poder. Quando somos completamente dominados por um sentimento quer de tristeza, quer de alegria, temos capacidade de fazer coisas que nem nós próprios sabemos como fazemos.

- Que tipo de coisas? – despertou-me a curiosidade.

- Eu acredito que duas pessoas que se amem verdadeiramente sentem-se sempre dominadas pelos sentimentos da mesma forma. Então cada vez que uma dessas pessoas estiver assim, pode exercer poderes que desconhece. Podem fazer coisas como comunicarem-se à distância através de pensamentos, olhando para o mesmo sítio.

- Estás a ver a lua? – perguntou Matias sem tirar os olhos do céu – Ela pode ser vista em qualquer lugar. Por isso peço-te para, se algum dia estivermos distantes um do outro, olhares para a lua e fazeres essa experiência. Se isto for verdade vamos sentir-nos mal ou bem ao mesmo tempo e vamos olhar para a lua ao mesmo tempo e nesse momento vamos perceber-nos um ao outro.

- Não me vou esquecer disso! – prometi.



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