sábado, 18 de abril de 2015

Capítulo 8 – Quando o Perigo Espreita

Acordei no jardim com os primeiros raios de sol. Matias ainda dormia ao meu lado, encostado ao meu ombro. Entre as flores em nosso redor, encontrei Scarpy a tentar-se esconder. Ainda era possível sentir o cheiro da relva molhada pelo orvalho da madrugada na qual Scarpy rebolava alegremente, acabando por acordar Matias.

- Adormecemos aqui? – Bocejou Matias queixando-se das dores de costas.

Rindo-me dele, ajudei-o a levantar-se e ele beijou-me, como uma forma de agradecimento.

- Já devíamos ter saído daqui. – comecei a preocupar-me a serio. – Eles já sabem onde moramos. Nem sei como não nos fizeram nada durante a noite.

- Tens a certeza que não fizeram nada? – disse Matias apontando para uma das janelas da casa, partida.

- Oh! Não me acredito como fomos tão irresponsáveis!

- Fala baixo, eles podem ainda estar lá dentro. – segurou-me a mão – Anda.

Silenciosamente dirigimo-nos para a porta das traseiras. Estava aberta para trás por isso talvez já tivessem saído. Entramos e fomos para a cozinha. Estava tudo completamente destruído. Peguei num rolo de massa que estava no chão e Matias numa faca. Revistávamos cuidadosamente o resto da casa e não estava lá ninguém.

- Roubaram daqui muita coisa. Felizmente já tinha as coisas mais valiosas nas nossas malas.

- Onde as guardaste? – preocupei-me.

- Já estavam na mala do carro, foi uma sorte não lhe terem feito nada. – disse ao vê-lo pela janela, intacto.

- Bem, a tentativa deles de nos assustarem falhou um bocado. Destruíram aquilo que íamos deixar abandonado. – sorri. – Vamos?

- Vamos! A tua amiga já deve estar preocupada por demorarmos tanto.

Entramos finalmente no carro e partimos.

Toda a viagem foi bastante animada. Finalmente sentia que tudo ia ficar bem. Iríamos poder recomeçar a nossa vida de novo, o que era mesmo muito bom. E o melhor era que, para além de ter comigo o melhor namorado que algum dia pensara ter, teria também perto de mim, a amiga que esteve sempre presente em todos os momentos da minha vida. Eu e Alice conhecíamo-nos desde bebés pois os pais dela sempre foram muito próximos dos meus. Esse pormenor era a única coisa que me punha nervosa pois de certeza que os pais dela iriam fazer perguntas sobre eu ter deixado de ter contactos com os meus pais e a minha irmã.

Quando chegamos não aguentei mais a ansiedade de ver Alice. Corri até à porta e toquei à campainha. Minutos depois vi a porta ser aberta por quem eu menos esperava.

- Tu? – o meu coração parou. Mickael estava à minha frente, mostrando-se, tal como eu, surpreendido.

- Que foi? - questionou Matias, confuso com o que acontecia.

Vi Alice a aparecer por trás de Mickael, completamente atrapalhada.

- Mickael é melhor ires embora. - disse Alice olhando para mim pálida.

Ele assim fez sem dizer uma única palavra. Olhei para Alice sem saber o que pensar.

- Luciana eu já te explico tudo. – fez sinal para entrarmos – Vocês nunca mais vinham que pensei que já não vinham hoje… Antes que penses coisas eu e o Mickael somos só amigos…

- Calma está tudo bem. – Abracei-a – Estou tão feliz por te ver.

- Claro que não está tudo bem. Eu conheço-te Luciana. Sei perfeitamente o que estás a pensar. Acabei de estragar-te o dia.
Ela tinha razão. Metade da felicidade que tinha antes de o ver desaparecera.

- Como é que consegues ser amiga dele depois do que ele me fez? Eu sei que não tem nada a ver contigo porque ele a ti nunca te fês mal nenhum mas só espero que tenhas consciência do tipo de pessoa que ele é.

- Eu sei Luciana. Nunca me esqueci do que ele te fez. Conheci-o melhor e percebi que ele não é a pessoa que pareceu ser. Perguntei-lhe várias vezes sobre o porquê de ele ter agido assim e tenho a certeza que se ouvires a explicação dele vais perceber.

- Eu não quero sequer voltar a vê-lo quanto mais falar com ele. Por mim podes ser amiga dele à vontade mas por favor, não quero falar com ele. Só te peço que tenhas cuidado, ele pode estar-te a enganar.
Matias olhava para nós as duas sem perceber nada.

- Desculpem interromper mas também estou aqui. Podem explicar quem é esse Mickael? – olhou para mim – Nunca me falaste dele. Se for teu ex só espero não ter que tomar medidas. – rimo-nos todos.

Explicamos-lhe tudo. Matias ouviu-nos pacientemente e no final perguntava onde ele morava. Queria espanca-lo. Alice tentou acalma-lo garantindo que ele não era tão má pessoa como parecia e que fizera o que fez de cabeça quente.
Mudamos o tema de conversa para um mais alegre. Falamos sobre o quanto eu e o Matias estávamos felizes juntos e o quanto sentia saudades de Alice e dos nossos velhos amigos da escola.

- Alice tive uma ideia. O que achas de nos reunirmos com os nossos antigos colegas de turma para uma noite de cinema?

- Acho uma boa ideia. Mas sabes que isso implica o Mickael…

- Eu referia-me aos amigos mais próximos. A Carolina, a Kelly…

- Sim, por mim tudo bem! Tava a precisar de uma noite só de raparigas. – Sorriu. – Era uma boa oportunidade para te reencontrares com a tua irmã…

- É verdade que já tenho muitas saudades dela. Apesar do feitio difícil é impossível eu não gostar dela. É minha irmã! Talvez lhe telefone. Na verdade ela não tem culpa do que aconteceu com os meus pais.

Durante as próximas horas Alice mostrou-nos toda a casa. Disse onde iriamos dormir e onde poderíamos guardar as nossas coisas. Estranhei o facto de não estar mais ninguém em casa e ela respondeu que os pais dela trabalhavam agora durante todo o dia e chegavam sempre muito tarde a casa. Com a universidade Alice também passava pouco tempo em casa e, portanto, mal tinha tempo para falar com eles.

Ao ouvir Alice falar do emprego dos pais dela lembrara-me do emprego do Matias. Aquele café devia ser importante para ele, pois, afinal de contas, era a única coisa que os pais dele lhe deixaram antes de morrerem. No entanto agora teríamos que arranjar um emprego novo e seguir em frente em tudo.
Entretanto a noite chegou e a campainha tocou. As convidadas tinham chegado para irmos todas juntas ao cinema. Tal como falara com Alice, tinha telefonado a Nicole e perguntado se aceitava um reencontro para matar saudades. Para minha surpresa ela aceitou logo. Corri ansiosa para a abrir a porta e lá estava ela. Tinha mudado bastante fisicamente. Tinha um ar mais esbelto e confiante. Abraçou-me sorridente. Já nem parecia a mesma Nicole resmungona e infantil que conhecia. Atrás dela vinha a Carolina e a Kelly. Olhei para Nicole e ela chorava.

- Desculpem. Pensava que nunca mais iria voltar a ver-te Luciana. Tinha tantas saudades tuas, nunca pensei sentir tanto a tua falta. – lacrimejou Nicole.

- Nem eu! – abracei-a novamente.

A minha irmã diabólica que fazia a minha vida no inferno chorava de saudades minhas quando eu até duvidava que ela aceitasse o convite para o cinema. Nem parecia real.

- Temos muito para conversar Luciana! – disse Nicole sorrindo – Eu sei que na altura deixei que fosses embora de casa, sei que não quis saber de ti quando foste atacada por aqueles homens, sei que sempre demonstrei estar-me a marimbar para ti. Mas hoje estou aqui para te mostrar que isso não é verdade. Eu sou assim com toda a gente. Já percebi que não é correto. Aprendi muito e agora só quero as tuas desculpas. Quando desapareceste fiquei tanto tempo sem receber noticias tuas que pensei que morreras. O sentimento de culpa cercava-me todos os dias. Quando recebi o teu telefonema nem queria acreditar… Estou mesmo feliz por estar aqui contigo.

- Claro que te perdoo. És minha irmã. Podias ter todos os defeitos do mundo que continuaria a amar-te.


- Vá, parem lá com isso. Até eu já estou a ficar emocionada. – disse Alice. – Às vezes tem mesmo que acontecer coisas graves para se perceber o quanto gostamos de uma pessoa.

Ganhei coragem e fiz a pergunta que há tanto tempo ansiava por perguntar.

- E como estão os Pais? – balbuciei.

-Eles não voltaram a falar de ti desde o dia em que saíste de casa, nem quiseram que eu falasse. Praticamente proibiam-me de falar nesse assunto. Ficaram mesmo ofendidos com o que tu lhes disseste.

- Eu não queria ter dito aquilo, saiu-me por estar revoltada com a decisão deles. Foi uma estupidez.

- Tu não tens culpa, os pais não deviam ter agido daquela maneira. Agora vivo aqui em Coimbra com a mãe. Quando soube que estavas cá fiquei surpreendida. Com o nosso pai só estou ao fim-de-semana. Ele continua na nossa antiga casa e namora com outra mulher. Eles não nos tinham dito mas o facto do nosso pai se ter apaixonado por outra mulher foi o principal motivo de se terem separado. Também não gosto nada disto mas tenho de me calar senão acontece-me o mesmo que te aconteceu a ti.

- A serio? Eles eram capazes de te por fora de casa? Também a ti?

- Nem duvides, eles estão cada vez piores desde que se separaram!

- Nem sei o que te dizer. Pensava que não me podia desiludir mais com eles mas pelos vistos estava enganada. Eu pensava que a mãe tinha ido para Lisboa e tu tinhas ficado com o pai.

- Ela queria fazer isso no início. Mas como o meu pai namorava não queria ser substituída como mãe e veio para aqui.

- Nem acredito, enfim… Vamos ao cinema?

- Vamos! – Berrou Alice em pulgas.

Despedi-me de Matias que me perguntou se queríamos boleia até lá. Alice, que conhecia tão bem aquele Shopping, respondeu por minha vez, dizendo-lhe que não era preciso pois sabia um caminho que dava para chegarmos lá a pé em poucos minutos.

Caminhamos então as 5 pela estrada em direção ao tal Shopping. Iríamos ver um filme de ação e drama em 3D. Tinha sido considerado um dos melhores filmes do ano e por isso tínhamos de nos despachar porque os bilhetes poderiam-se esgotar se demorássemos demasiado.
Estávamos tão entusiasmadas que nem nos passava pela cabeça que alguma coisa pelo caminho poderia correr mal. A verdade é que as tragédias dão-se sempre quando menos se espera, e naquele momento, ninguém estava de certeza à espera.

O Shopping era já do outro lado da rua quando atravessamos a estrada sem desviar o olhar do enorme placar com a imagem do filme que estávamos prontas para ver. Entretanto era tanta a emoção e a ansiedade, que acabamos por não reparar no enorme camião que vinha a alta velocidade na nossa direção. O medo projetava-se nas nossas caras quando o camião embateu contra mim e Carolina. Tentando-se desviar, chocou contra o poste de eletricidade e caia agora descontrolado. Fazendo tremer toda a extremidade, caiu por cima das pernas de Kelly. Nicole e Alice estavam no chão aflitas, por mais que nos quisessem ajudar já era tarde de mais. Com a força do camião, eu e Carolina fomos projetadas pelo ar, sendo atiradas pela ribanceira abaixo. Já sem quaisquer forças, rebolava quase a pique pelas silvas e os ramos caídos das árvores que se enrolavam como cordas nas minhas pernas. Embati fortemente numa grande pedra pontiaguda e tudo se desligou.

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