sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Capítulo 3 – O Negócio

Entretanto as férias do Verão estavam à porta. Aproveitava o sol para ir à praia e as noites fresquinhas para ir ao cinema e conviver com os amigos para aproveitar as férias ao máximo.
Os meus pais estavam cada vez mais misteriosos. No entanto, num dia, quando nos chamaram a mim e à minha irmã, percebi rapidamente que não sairia dali coisa boa. Sentei-me no sofá a olhar para eles, assim como Nicole.
- Vão dizer o que querem ou nem por isso?- perguntou Nicole.
- Não sofras de ansiedade Nicole – disse Constança, a minha mãe - Bem, o que nós temos para vos informar é que eu e o vosso pai vamos começar com um novo e pequeno negócio de família, desta vez, de comida que vamos vender, em princípio, numa Roulotte à beira da praia. Contamos com a vossa ajuda, e iremos perguntar também ao vosso primo Rúben se nos quer ajudar, visto que vive lá à beira.
- Ah! Então era por causa disto que andavam sempre aos segredinhos e cheios de mistérios, eu logo vi que não era boa coisa. - disse eu lembrando-me das inúmeras vezes que os apanhei a conversarem sobre “coisas que não me diziam respeito”.
- Dito por vocês só podia ser alguma coisa pra nos dar trabalho… - disse Nicole que esperava uma notícia mais interessante.
- Nós sabemos que na última vez que montamos um negócio não correu nada bem. Levou-nos a todos à falência, mas desta vez as coisas vão correr de forma diferente. Preparamos as coisas com muito cuidado. – disse Fernando,  o meu pai. – Começamos já amanhã bem cedo. Espero não ter que vos tirar da cama com as lambidelas do Scarppy.
No entanto o telemóvel toca. Atendi. Era Alice que se mostrava, pelo tom da sua voz, muito animada:
- Estou?! Luciana? Tenho planos para nós para este Verão, liguei para saber se podias…
- Esquece lá isso, não sei se vai dar...os meus pais vão montar uma Roulotte de comida durante o Verão todo, e querem que eu, a minha irmã e o meu primo os ajudemos.
- Tchii, que seca! Não me tinhas dito nada.
- Acabei agora de saber. Não gosto nada desta ideia, assim não vou aproveitar nada das férias... tu é que podias vir trabalhar connosco, assim sempre se tornaria mais divertido, isto de trabalhar em conjunto com a minha irmã vai-me alterar profundamente o sistema nervoso. Tu consegues sempre acalmar-me.
- Sim acho que posso ir-te ajudar, mas...

- Vens e problema resolvido! É só pedir aos meus pais. Vá, falamos amanhã, beijos.

Desliguei o telemóvel.



No dia seguinte, já às 7h30 da manhã estávamos eu, os meus pais, Alice, Nicole e o Rúben a caminho da praia, inteiramente ensonados. Enquanto tentávamos ainda acordar, os meus pais preparavam a comida e poucos minutos depois persentimos o cheirinho a cachorros quentes e a Pizza acabada de fazer. Acordamos num salto e juntamo-nos à volta da comida, esfomeados e preparados para começar com um banquete.

- Não sei onde é que vão com tanta pressa. Isto tem bom aspeto mas é para os clientes. - intrometeu o meu pai - Para ninguém se atrapalhar no trabalho é melhor fazermos o seguinte: eu e Constança ficamos na cozinha a tratar da comida, a Luciana e a Nicole vão vender bolas de Berlim e gelados pela praia e a Alice e o Rúben podem ficar aqui a servir as Pizzas e os cachorros quentes aos clientes.

- Sim, eu vou mesmo andar a caminhar pela praia a dia todo! – ironizou Nicole insatisfeita -  E ainda por cima com esta chata… nem pensem nisso.
- E eu muito menos… Não vou aguentar ouvi-la a resmungar o tempo todo – concordei.
- Uau... Vocês as duas estão mesmo a concordar numa coisa ou será que estou a sonhar? - disse Alice, beliscando-se repetidamente no braço.
- Por enquanto fica assim, se vocês não se entenderem troca-se as posições. – informou o meu pai.
E, dito isto, todos se espalharam conforme as suas funções. Chegando à praia, eu e Nicole, caminhamos pela areia, já de manhã escaldante, e percorremos toda a praia vendendo todas as bolas de Berlim e os gelados que fossem possíveis enquanto que Alice e Rúben esperavam pelos clientes, esfomeados.
- Que seca. Sinceramente acho que preferia estar na praia a fazer o trabalho delas… - disse Alice para Rúben que era para ela, ainda um desconhecido.
- Sim, sempre seria mais divertido do que estar aqui, lá pelo menos podem refrescar-se no mar ou conversar um bocado com amigos que encontrem. - concordou Rúben,  num suspiro.
Uma vez que era a primeira vez que se falavam e, estando os dois sozinhos sem nada para fazer, conversam durante bastante tempo, tempo que para eles, passou a correr chegando então eu e Nicole, completamente vermelhas e transpiradas de tanto caminhar. Eu gritava por água e Nicole por um sofá enquanto Alice e Rúben se desmanchavam às gargalhadas com as nossas figuras chegando, no entanto, o meu pai e fazendo-se silêncio imediatamente.
- O quê que vocês fazem aqui? Já acabaram o vosso trabalho?
- A praia está repleta de gente esfomeada e vendemos tudo!
- Ah, e vieram para buscar mais comida certo? – perguntou Fernando já contando com a nossa resposta.
- Não! Viemos para descansar, para nos alimentarmos e principalmente para nos refrescarmos porque lá fora estão uns 30 graus!!! – disse Nicole de forma direta enquanto Alice e Rúben se riam novamente. – E eu acho que já está na altura de trocarmos de turno, porque nós estamos mesmo exaustas, e parece que há aqui gente com muito boa disposição para trabalhar. – continuou ela, fazendo com que o sorriso dos lábios de Alice e de Rúben se desfizesse rapidamente, juntamente com um “vamos lá então!” do meu pai.
Ao longe observei como Alice interagia com o meu primo. Tinham acabado de se conhecer e já se davam perfeitamente. Conhecendo muito bem ambos, sabia que eram um par perfeito. Claro que não me ia esquecer de lhes mandar bocas!
Trabalhamos desta forma até ao final do dia e mal se viu o sol a pôr-se, voltaram todos para as suas casas, exaustos, mas com uma boa recompensa dividida por todos. Nesse dia o negócio não podia ter corrido melhor. A Roulotte de pizzas, de cachorros e doces era uma novidade naquela praia que todos quiseram experimentar. O mesmo aconteceu nos próximos dias. No entanto, com o passar do tempo, a concorrência foi aumentando e os clientes desaparecendo. Passadas algumas semanas mal conseguíamos vender meia dúzia de cachorros.
- Mãe? Não achas que devíamos esquecer isto? – perguntei eu no final de um desses dias.
- Vocês não querem é fazer nada. Se queres receber a tua mesada no final do mês tens que fazer por isso! – respondeu a minha mãe.
- Não é isso mãe, é que da última vez…
- Isso foi um imprevisto, desta vez é diferente. Nós investimos muito nisto, e se correr mal é porque não fizemos as coisas bem. – insistiu. - Vai mas é ao balcão que está lá um rapaz à espera.
Constança é sem dúvida a mãe mais teimosa que já vi. Chamando-lhe nomes sem ela ouvir, obedeci à ordem vestindo o avental lentamente e amarrando o cabelo no chapéu de modo a fazer esperar o cliente e contrariar os meus pais que me diziam constantemente para me despachar enquanto limpavam a cozinha para começarem de seguida a fechar a Roulotte. Com pais tão teimosos, claro que eu também teria que o ser!
Finalmente perguntei ao rapaz o que desejava e este respondeu-me com uma grande delicadeza e sem estar minimamente aborrecido com a demora.
- Bom dia, queria uma fatia de pizza de queijo e fiambre com um gelado de morango a acompanhar, se fosse possível…
- Não é possível. – respondi friamente. Estava esgotada de trabalhar e sem paciência.
- Como? Mas…
- Lamento. Adeus.
Sabendo que havia a comida que tinha pedido, o rapaz virou as costas ligeiramente confuso e seguiu em direção à praia.
Obviamente que ouvi um sermão de duas horas dos meus pais depois deste episódio. Mas o que podia fazer? Saiu-me de forma espontânea. Estava completamente esgotada de trabalhar e sem paciência. A comida estava tão barata que o que recebíamos mal servia para a sopa.
No final do mês, Constança e Fernando contaram todo o dinheiro que tinham ganhado. Ficaram os dois entusiasmados e ansiosos por saberem o dinheiro que tinham lucrado. Enquanto isso, eu estava no meu quarto a ver televisão. Não me interessava saber do dinheiro, apenas me apetecia relaxar e pensar. Pensar na vida, pensar no rapaz com quem eu tinha sido desagradável nesse dia, pensar no Mickael que nunca mais teria visto, pensar na Alice e nas maluquices dela… Enfim, por vezes sabe bem pensar e recordar os acontecimentos mais engraçados da vida. Mas de repente os meus pensamentos foram cortados pela voz dos meus pais. Estavam a discutir. Saí do quarto já a imaginar o que se teria passado desta vez, e depois de os ver furiosos um com o outro, a insultarem-se de forma horrível, perguntei o que se passava. Acusando-se um ao outro do que teria acontecido, disseram-me, tal como já esperava, que o negócio não lucrara absolutamente nada e que tiveram uma despesa enorme.
- Devíamos ter fechado logo no dia em que os clientes começaram a escassar, eu avisei-vos! – disse eu tentando fazer com que eles se calassem e pensassem um bocado antes de se insultarem.
- A culpa disto também é tua, se tivesses feito as coisas bem-feitas não era nada disto!
- Eu dei sempre o meu melhor! Todos nos matamos a trabalhar durante todo o mês.
- Nota-se, tratas muito bem os clientes. – ironizou. Sabia que me atiraria aquilo à cara.
Ignorando-a, voltei para o meu quarto. Fora apenas uma vez que respondera daquela forma a um cliente. Há sempre uma vez em que explodimos.


A partir daquele dia, os dias começaram a ser todos iguais, todos os dias discutiam e eu começava a ficar farta daquela atitude. No entanto tentava não me meter, nem me preocupar com isso pois coisas mais importantes estavam por acontecer. Estava prestes a saber para que universidade iria entrar. Queria muito, por um lado, que conseguisse entrar na do Porto. Por outro, e embora fosse demasiado longe, adorava Coimbra. Naquele momento a distância nem era o que mais me preocupava. O que mais me apetecia fazer era precisamente sair dali e ir para uma casa onde pudesse ter um bocado de paz. 

Ansiosa por saber a noticia que tanto esperava, liguei o portátil e procurei ver onde tinha sido aceite. Mal soube corri radiante contar a notícia aos meus pais, mas como sempre, nenhum deles me ouviram, parecia que para eles até as discussões são mais importantes do que eu.



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