Entretanto as
férias do Verão estavam à porta. Aproveitava o sol para ir à praia e as noites
fresquinhas para ir ao cinema e conviver com os amigos para aproveitar as
férias ao máximo.
Os meus pais
estavam cada vez mais misteriosos. No entanto, num dia, quando nos chamaram a
mim e à minha irmã, percebi rapidamente que não sairia dali coisa boa. Sentei-me
no sofá a olhar para eles, assim como Nicole.
- Vão dizer o
que querem ou nem por isso?- perguntou Nicole.
- Não sofras de
ansiedade Nicole – disse Constança, a minha mãe - Bem, o que nós temos para vos
informar é que eu e o vosso pai vamos começar com um novo e pequeno negócio de
família, desta vez, de comida que vamos vender, em princípio, numa Roulotte à
beira da praia. Contamos com a vossa ajuda, e iremos perguntar também ao vosso
primo Rúben se nos quer ajudar, visto que vive lá à beira.
- Ah! Então era
por causa disto que andavam sempre aos segredinhos e cheios de mistérios, eu
logo vi que não era boa coisa. - disse eu lembrando-me das inúmeras vezes que
os apanhei a conversarem sobre “coisas que não me diziam respeito”.
- Dito por
vocês só podia ser alguma coisa pra nos dar trabalho… - disse Nicole que
esperava uma notícia mais interessante.
- Nós sabemos
que na última vez que montamos um negócio não correu nada bem. Levou-nos a
todos à falência, mas desta vez as coisas vão correr de forma diferente.
Preparamos as coisas com muito cuidado. – disse Fernando, o meu pai. – Começamos já amanhã bem cedo.
Espero não ter que vos tirar da cama com as lambidelas do Scarppy.
No entanto o
telemóvel toca. Atendi. Era Alice que se mostrava, pelo tom da sua voz, muito
animada:
- Estou?!
Luciana? Tenho planos para nós para este Verão, liguei para saber se podias…
- Esquece lá
isso, não sei se vai dar...os meus pais vão montar uma Roulotte de comida
durante o Verão todo, e querem que eu, a minha irmã e o meu primo os ajudemos.
- Tchii, que
seca! Não me tinhas dito nada.
- Acabei agora
de saber. Não gosto nada desta ideia, assim não vou aproveitar nada das
férias... tu é que podias vir trabalhar connosco, assim sempre se tornaria mais
divertido, isto de trabalhar em conjunto com a minha irmã vai-me alterar
profundamente o sistema nervoso. Tu consegues sempre acalmar-me.
- Sim acho que
posso ir-te ajudar, mas...
- Vens e
problema resolvido! É só pedir aos meus pais. Vá, falamos amanhã, beijos.
Desliguei o telemóvel.
No dia seguinte,
já às 7h30 da manhã estávamos eu, os meus pais, Alice, Nicole e o Rúben a caminho
da praia, inteiramente ensonados. Enquanto tentávamos ainda acordar, os meus
pais preparavam a comida e poucos minutos depois persentimos o cheirinho a
cachorros quentes e a Pizza acabada de fazer. Acordamos num salto e juntamo-nos
à volta da comida, esfomeados e preparados para começar com um banquete.
- Não sei onde
é que vão com tanta pressa. Isto tem bom aspeto mas é para os clientes. - intrometeu
o meu pai - Para ninguém se atrapalhar no trabalho é melhor fazermos o
seguinte: eu e Constança ficamos na cozinha a tratar da comida, a Luciana e a Nicole
vão vender bolas de Berlim e gelados pela praia e a Alice e o Rúben podem ficar
aqui a servir as Pizzas e os cachorros quentes aos clientes.
- Sim, eu vou mesmo andar a caminhar pela praia a dia todo! – ironizou Nicole
insatisfeita - E ainda por cima com esta
chata… nem pensem nisso.
- E eu muito
menos… Não vou aguentar ouvi-la a resmungar o tempo todo – concordei.
- Uau... Vocês
as duas estão mesmo a concordar numa coisa ou será que estou a sonhar? - disse
Alice, beliscando-se repetidamente no braço.
- Por enquanto
fica assim, se vocês não se entenderem troca-se as posições. – informou o meu
pai.
E, dito isto,
todos se espalharam conforme as suas funções. Chegando à praia, eu e Nicole,
caminhamos pela areia, já de manhã escaldante, e percorremos toda a praia
vendendo todas as bolas de Berlim e os gelados que fossem possíveis enquanto
que Alice e Rúben esperavam pelos clientes, esfomeados.
- Que seca.
Sinceramente acho que preferia estar na praia a fazer o trabalho delas… - disse
Alice para Rúben que era para ela, ainda um desconhecido.
- Sim, sempre
seria mais divertido do que estar aqui, lá pelo menos podem refrescar-se no mar
ou conversar um bocado com amigos que encontrem. - concordou Rúben, num suspiro.
Uma vez que era
a primeira vez que se falavam e, estando os dois sozinhos sem nada para fazer,
conversam durante bastante tempo, tempo que para eles, passou a correr chegando
então eu e Nicole, completamente vermelhas e transpiradas de tanto caminhar. Eu
gritava por água e Nicole por um sofá enquanto Alice e Rúben se desmanchavam às
gargalhadas com as nossas figuras chegando, no entanto, o meu pai e fazendo-se
silêncio imediatamente.
- O quê que
vocês fazem aqui? Já acabaram o vosso trabalho?
- A praia está
repleta de gente esfomeada e vendemos tudo!
- Ah, e vieram
para buscar mais comida certo? – perguntou Fernando já contando com a nossa
resposta.
- Não! Viemos
para descansar, para nos alimentarmos e principalmente para nos refrescarmos porque
lá fora estão uns 30 graus!!! – disse Nicole de forma direta enquanto Alice e
Rúben se riam novamente. – E eu acho que já está na altura de trocarmos de
turno, porque nós estamos mesmo exaustas, e parece que há aqui gente com muito
boa disposição para trabalhar. – continuou ela, fazendo com que o sorriso dos
lábios de Alice e de Rúben se desfizesse rapidamente, juntamente com um “vamos
lá então!” do meu pai.
Ao longe
observei como Alice interagia com o meu primo. Tinham acabado de se conhecer e
já se davam perfeitamente. Conhecendo muito bem ambos, sabia que eram um par
perfeito. Claro que não me ia esquecer de lhes mandar bocas!
Trabalhamos
desta forma até ao final do dia e mal se viu o sol a pôr-se, voltaram todos
para as suas casas, exaustos, mas com uma boa recompensa dividida por todos.
Nesse dia o negócio não podia ter corrido melhor. A Roulotte de pizzas, de
cachorros e doces era uma novidade naquela praia que todos quiseram
experimentar. O mesmo aconteceu nos próximos dias. No entanto, com o passar do
tempo, a concorrência foi aumentando e os clientes desaparecendo. Passadas
algumas semanas mal conseguíamos vender meia dúzia de cachorros.
- Mãe? Não
achas que devíamos esquecer isto? – perguntei eu no final de um desses dias.
- Vocês não
querem é fazer nada. Se queres receber a tua mesada no final do mês tens que
fazer por isso! – respondeu a minha mãe.
- Não é isso
mãe, é que da última vez…
- Isso foi um
imprevisto, desta vez é diferente. Nós investimos muito nisto, e se correr mal
é porque não fizemos as coisas bem. – insistiu. - Vai mas é ao balcão que está
lá um rapaz à espera.
Constança é sem
dúvida a mãe mais teimosa que já vi. Chamando-lhe nomes sem ela ouvir, obedeci
à ordem vestindo o avental lentamente e amarrando o cabelo no chapéu de modo a
fazer esperar o cliente e contrariar os meus pais que me diziam constantemente
para me despachar enquanto limpavam a cozinha para começarem de seguida a
fechar a Roulotte. Com pais tão teimosos, claro que eu também teria que o ser!
Finalmente
perguntei ao rapaz o que desejava e este respondeu-me com uma grande delicadeza
e sem estar minimamente aborrecido com a demora.
- Bom dia,
queria uma fatia de pizza de queijo e fiambre com um gelado de morango a
acompanhar, se fosse possível…
- Não é
possível. – respondi friamente. Estava esgotada de trabalhar e sem paciência.
- Como? Mas…
- Lamento.
Adeus.
Sabendo que
havia a comida que tinha pedido, o rapaz virou as costas ligeiramente confuso e
seguiu em direção à praia.
Obviamente que
ouvi um sermão de duas horas dos meus pais depois deste episódio. Mas o que
podia fazer? Saiu-me de forma espontânea. Estava completamente esgotada de
trabalhar e sem paciência. A comida estava tão barata que o que recebíamos mal
servia para a sopa.
No final do
mês, Constança e Fernando contaram todo o dinheiro que tinham ganhado. Ficaram
os dois entusiasmados e ansiosos por saberem o dinheiro que tinham lucrado.
Enquanto isso, eu estava no meu quarto a ver televisão. Não me interessava
saber do dinheiro, apenas me apetecia relaxar e pensar. Pensar na vida, pensar
no rapaz com quem eu tinha sido desagradável nesse dia, pensar no Mickael que
nunca mais teria visto, pensar na Alice e nas maluquices dela… Enfim, por vezes
sabe bem pensar e recordar os acontecimentos mais engraçados da vida. Mas de
repente os meus pensamentos foram cortados pela voz dos meus pais. Estavam a
discutir. Saí do quarto já a imaginar o que se teria passado desta vez, e
depois de os ver furiosos um com o outro, a insultarem-se de forma horrível,
perguntei o que se passava. Acusando-se um ao outro do que teria acontecido, disseram-me,
tal como já esperava, que o negócio não lucrara absolutamente nada e que
tiveram uma despesa enorme.
- Devíamos ter
fechado logo no dia em que os clientes começaram a escassar, eu avisei-vos! –
disse eu tentando fazer com que eles se calassem e pensassem um bocado antes de
se insultarem.
- A culpa disto
também é tua, se tivesses feito as coisas bem-feitas não era nada disto!
- Eu dei sempre
o meu melhor! Todos nos matamos a trabalhar durante todo o mês.
- Nota-se,
tratas muito bem os clientes. – ironizou. Sabia que me atiraria aquilo à cara.
Ignorando-a,
voltei para o meu quarto. Fora apenas uma vez que respondera daquela forma a um
cliente. Há sempre uma vez em que explodimos.
A partir
daquele dia, os dias começaram a ser todos iguais, todos os dias discutiam e eu
começava a ficar farta daquela atitude. No entanto tentava não me meter, nem me
preocupar com isso pois coisas mais importantes estavam por acontecer. Estava
prestes a saber para que universidade iria entrar. Queria muito, por um lado,
que conseguisse entrar na do Porto. Por outro, e embora fosse demasiado longe,
adorava Coimbra. Naquele momento a distância nem era o que mais me preocupava.
O que mais me apetecia fazer era precisamente sair dali e ir para uma casa onde
pudesse ter um bocado de paz.
Ansiosa por saber a noticia que tanto esperava, liguei o portátil e procurei
ver onde tinha sido aceite. Mal soube corri radiante contar a notícia aos meus
pais, mas como sempre, nenhum deles me ouviram, parecia que para eles até as
discussões são mais importantes do que eu.
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