domingo, 4 de janeiro de 2015

Capítulo 2 – Cega Paixão





Os dias foram passando e eu, sem passar um único dia em que não pensasse nele, fui ganhando coragem e comecei a falar com ele de forma mais direta. Saber que ele sabia aquilo que eu sentia por ele intimidava-me, mas não foi motivo para me fazer fugir dele. Pelo contrário. Deu-me forças para avançar de uma vez por todas.
Todos os dias lhe perguntava se estava tudo bem, e ele por vezes rejeitava-me mas outras vezes respondia e, embora depois disso fosse gozar comigo com os amigos, perguntava também como é que eu estava. No entanto, um dia estava a chegar à escola, quando reparei no Mickael sentado, sozinho nas escadas, a chorar. Carolina, uma outra amiga minha, olhou para mim e fez um gesto de modo a encorajar-me a ir ter com ele.
Sentei-me ao lado dele, olhei para ele e ele continua exatamente do mesmo modo que estava, sem sequer pestanejar e sem conter uma única lágrima.
- Que se passa contigo? O que é que tu tens? Nunca te vi assim…
- Mete-te na tua vida. – disse friamente.
Sem saber como responder, decidi insistir um pouco mais. Era uma ótima oportunidade de nos tornarmos mais confidentes.
- Tem calma, tudo se resolve. – dei-lhe um lenço.
Embora com um ar enfurecido, olhou finalmente para mim. Pegou no lenço e atirou-o. Levantou-se e pôs-se à minha frente. O meu receio aumentou, até que o arrependimento o substituiu.
- Olha vou-te dizer isto da forma mais calma possível. – começou – Não quero nada contigo. Larga-me pelo menos um minuto, pode ser? DESAPARECE!
- Não era preciso falares assim. – levantei-me mas mantive-me à sua frente. Exigia um pedido de desculpas. Nenhum problema dele justificava a forma como me falava.
- Podes-me sair da frente? – perguntou irritado.
- Desculpa mas comigo ninguém fala assim.
- Não sais a bem sais a mal! – ameaçou.
Sem tempo para me deixar agir, empurrou-me violentamente, fazendo-me cair pelas escadas. Os amigos dele riam-se e gozavam-me. Avistei Alice que se aproximava para tentar perceber o que tinha acontecido enquanto Mickael se ria junto dos amigos.
A minha cabeça latejava como nunca. Ao cair batera com a cabeça bem de força na ponta das escadas e por isso via tudo à minha volta desfocado. Dos meus olhos escorriam lágrimas de vergonha e arrependimento.
Completamente abatida, peguei nas minhas coisas espalhadas pelo chão e saí dali. Fui direta para a casa de banho e ao espelho apercebi-me que a minha cabeça sangrava. Sentia-me cada vez mais tonta e mal conseguia aguentar as dores que aumentavam a cada segundo. Mesmo assim não eram dores que pudessem substituir o arrependimento de me ter apaixonado pela pessoa errada. Amava-o tanto, e amava-o de uma forma estupida, obsessiva e sem sentido. 
Não aguentaria olhar para a cara dele durante as aulas por isso decidi ir para casa. Só queria desaparecer! Ao sair da escola os amigos dele cercaram-me. Continuavam a gozar-me, parecia que o pesadelo não acabava.
Mesmo vendo-me a sangrar mandavam piadas absurdas e elogiavam o Mickael do que tinha feito. Que mal lhes fiz a eles? Que mal eu fiz ao Mickael?
Alice empurrou os amigos de Mickael para me alcançar. Olhou para a minha ferida aterrorizada e puxou-me pelo braço.
- Larga-me! – gritei – Não preciso que tenham pena de mim. Isso não me faz sentir melhor.
- Estás doida? Ainda não deves ter reparado bem no estado em que estás… - berrou Alice desorientada.
Levou-me para a sala de emergências da escola onde uma enfermeira tratou de mim. Repousei uns minutos com Alice ao meu lado. Sentia um ódio imenso por Mickael. A lembrança da boa disposição dele enquanto os amigos me gozavam não me saia da cabeça. Era como se ele sentisse prazer por me ter feito o que fez. O estado de tristeza e desespero em que o tinha encontrado anteriormente parecia agora uma farsa criada por ele para primeiro me atrair a ele e a seguir acabar comigo. Não conseguia perceber!
Quando me senti melhor ia direta para casa, quando mais uma vez Alice me impediu. Saí do pavilhão como um tiro e estava já no lado de fora do portão da escola quando Alice, que viera a correr para me conseguir apanhar, me agarrara pelo braço.
- Luciana, espera! – gritou.
- Deixa-me. – pedi – Eu sei… Tu tinhas toda a razão. Não precisas de me vir fazer sentir pior. – respondi sem parar de caminhar.
- Mas espera, acalma-te por favor! O que vais fazer? Vives longe da escola, não podes ir a pé por aí sozinha. Ainda por cima nesse estado… Podes já estar bem fisicamente mas interiormente estás demasiado nervosa. Queres-te arriscar a ser atropelada?
Parei e observei-a.
- Tens razão… Só quero que este pesadelo acabe. Quero esquecer isto. Desculpa não ter confiado em ti.
- Acho que já pagaste o suficiente por isso. – respondeu  Alice – Pelo menos serviu para acabar com a tua obceção, certo?
- Pois, pelos vistos estava mesmo a precisar disto.
- Eu já não sabia o que fazer contigo rapariga! – brincou.
- Agora sabes!
Abracei-a. Olhei por trás das suas costas e vi o relógio da escola.
- Vamos p’ras aulas? – perguntei a sorrir - Se a minha mãe continuar a receber queixas dos meus atrasos vou estar tramada!
- É assim mesmo. Ele não merece que faltes às aulas por tua causa.
Depois deste momento com Alice sentia-me ligeiramente melhor, mas ainda sentia um vazio enorme que me sufocava.
Durante o resto das aulas tentei evitar ao máximo os contactos visuais com ele. No entanto durante a última aula, distraí-me do que ouvia do professor e dei por mim de olhos fixos com os dele. Todo o meu corpo arrepiou-se. No entanto não os desviei. O que ele queria agora? Embora a sua boca sorrisse maleficamente, os seus olhos mostravam incómodo e arrependimento. Ignorei. Mal ouvi a campainha a tocar corri para casa como um foguetão. Como iria aguentar os próximos dias? Era um desafio que sabia que conseguia enfrentar. Só não sabia ainda como o fazer.
Ao chegar a casa senti-me feliz ao me encontrar com o Scarpy. Sempre que me sinto mais triste do que o normal ele raspa o seu pelo encaracolado nas minhas pernas e olha para mim como se me compreendesse. Isso faz-me sentir sempre melhor.
Entretanto aparece Nicole, a minha irmã, que, como sempre, começa a resmungar mal me vê em casa.
- Oh Luciana, mas tu tás bem? Tas aí a beijar o cão toda emocionada. Parece que o raio do cão é a tua única razão de viver. Vê se não demoras a vir-me ajudar nas limpezas. Não penses que vou ser eu a limpar o teu quarto.
- Deixa-me em paz, mal cheguei e já me estás a queimar o cérebro!
- O que foi agora? Nunca estás bem. Deve ter sido o cão que te comeu a paciência.
Nicole saiu da sala rindo-se para si mesmo, no momento em que ouvi uns ruídos sinistros vindos da cozinha. Aproximei-me e ouvi a voz dos meus pais apercebendo-me que estavam a falar sobre dinheiro.
- Que se passa? – perguntei depois de entrar e interromper a conversa entusiasmada deles.
- Nada filha, vai pôr o tacho da sopa ao lume que eu vou já ajudar-te. – disse a minha mãe. – Espera aí… O que tens na cabeça?
Quase já me tinha esquecido da ferida.
- Nada… Tropecei e caí.
Saí do quarto desconfiada. Porque desviaram a conversa? Nunca têm nada a esconder-me. Só esperava que não estivessem a planear mais uma das suas belíssimas invenções!





Os dias e as noites foram passando enquanto eu tentava esquecer quem eu nunca me deveria ter lembrado tantas vezes e muito menos, tentado ajudar. Ir para a escola, tornava-se cada vez mais uma tortura pois seria impossível esquece-lo tendo de o ver todos os dias. O meu dia-a-dia passou a ser um desafio em que eu tinha que passar o tempo todo a evitar olhar para ele. Nos intervalos, teria de conter as lágrimas por vê-lo "agarrado" a outras raparigas, raparigas muito mais velhas e muito mais maduras do que eu, que se estavam "nas tintas" para ele e que muitas das vezes o tratavam mal. A verdade é que eu continuava a sentir algo por ele. Talvez sentisse curiosidade, por apenas ter tido a oportunidade de conhecer o lado negativo dele, em vez do lado bom. No entanto serviu para aprender que tudo acontece por um motivo. Há coisas que já estão destinadas a acontecer e talvez isto me tivesse acontecido para eu aprender de uma vez por todas que “paixões à 1ª vista” não resultam, e a deixar de agradar quem realmente não merece um único olá.



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